É fato que a recuperação judicial é um procedimento bem comum no Brasil. Um exemplo é a famosa livraria Saraiva, que entrou com o pedido de recuperação judicial em 2018 após acumular dívidas que passavam de R$ 674 milhões. Então se você busca entender a recuperação judicial de forma rápida neste artigo, esqueça!
Esse é um daqueles conteúdos que é necessário passar horas e horas estudando para compreender todos os mínimos detalhes. Mas calma! Apesar de ser uma temática complexa, eu busquei trazer o mais simples e didático possível as características desse processo de recuperação. Vamos nessa?
O que é recuperação judicial?
Falamos em uma medida para solucionar a crise que uma empresa passa, evitando que uma crise iminente ocorra na sua atividade empresarial. Esse conceito está presente no artigo 47 da Lei n° 11.101/2005 e possui para sua concretização, uma série de elementos essenciais para sua formação, são eles:
- Série de atos
- Consentimento dos credores
- Concessão judicial
- Superação da crise
- Manutenção das Empresas Viáveis
Série de atos
É necessária uma série de atos para possibilitar a recuperação, como mudanças nas relações com os credores (novação é um exemplo).
Consentimento dos credores
Todos os atos que serão praticados pelo devedor na recuperação judicial dependem do consentimento dos credores. Lembrando que não é o consentimento de TODOS, mas sim, uma manifestação que contenha representatividade.
Concessão Judicial
Para que haja um controle da recuperação judicial, é necessário a intervenção do Poder Judiciário. Nesse caso, o papel não é atuar de forma direta, mas sim, supervisionar as medidas adotadas.
Superação da Crise
Esse ponto é bem simples e se liga diretamente com o conceito de recuperação judicial, pois a empresa que está nesse processo, busca a superação de uma crise para manter toda uma estrutura em pleno funcionamento.
Manutenção das Empresas Viáveis
Não adianta entrar com o processo de recuperação judicial se a empresa não tem mais condições para se reerguer. Essa viabilidade é analisada mediante 5 (cinco) pontos:
- Importância Social
- Mão de obra e tecnologia empregada
- Volume do ativo e passivo
- Idade da Empresa
- Porte Econômico
Quais os objetivos da recuperação judicial?
O artigo 47 da Lei n° 11.101/2005 citado acima, traz esses objetivos gerais da recuperação judicial, que são:
- Manutenção da fonte produtora
- Manutenção dos empregos dos trabalhadores
- Preservação dos interesses dos credores
Natureza jurídica da recuperação judicial
Trata-se de um ato complexo, ou seja, é um ato processual coletivo, possuindo um favor legal e uma obrigação ex lege, visando a proteção da atividade empresarial e todos os interesses que a circundam.
Boa parte da doutrina entende que a recuperação é um negócio jurídico privado, realizado sob supervisão judicial. A crítica é: mesmo que não seja aprovada por todas as classes, a possibilidade de concessão da recuperação, afastaria a natureza contratual.
Princípios norteadores da recuperação judicial
Existe muitas divergências quanto aos princípios, mas podemos elencar 2 (dois) fundamentais para a recuperação judicial:
- Função Social da Empresa
- Preservação da Empresa
- Leia também | Quem pode pedir recuperação judicial?
Quanto aos créditos e credores
Todos os créditos existentes à data do pedido, estão sujeitos à recuperação judicial, mesmo que não vencidos. Mas, aqueles créditos inexigíveis não estarão sujeitos à recuperação, são eles:
- Créditos Fiscais: a única exceção aqui é se esses créditos recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial.
- Credores Proprietários: a exceção aqui segue o mesmo padrão dos créditos fiscais, ou seja, caso a garantia móvel ou imóvel for essencial para a atividade empresarial.
- Credor de contrato de câmbio: o que ocorre aqui é a troca de moeda no espaço, ou seja, uma moeda estrangeira em troca de uma nacional. Portanto, não estão sujeitos à recuperação.
Requisitos para o pedido de recuperação judicial
- Exercício regular das atividades há mais de 2 (dois) anos
- Não ser falido ou, se falido, que suas obrigações já tenham sido extintas
- Não obteve recuperação judicial há menos de 5 anos
- Não ter obtido recuperação judicial, com base em plano especial, há menos de 5 anos
- Não ter sido condenado por crime falimentar, nem ter como sócio controlador ou administrador pessoa condenada por crime falimentar
- O empresário ou sociedade empresária não pode está impedido de cumprir suas obrigações legais quando a sua constituição e funcionamento. Para provar esse exercício, basta apresentar a certidão do ato constitutivo da sociedade empresária ou a inscrição do empresário no Registro Público de Empresa. Mas cuidado, no caso das atividades rurais por pessoa jurídica é admitido a comprovação do prazo de mais de dois anos por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venham a substituir a ECF. Logo, não é necessário o registro por todo o período, mas sim a comprovação da atividade.
- A pena imposta pela falência ao devedor é a da proibição para o exercício de qualquer atividade empresarial, restrição que perdura desde a data de decretação até a decisão final de extinção de suas obrigações. Se as obrigações do falido forem extintas, ou seja, se ele tiver resolvido as obrigações que deram origem à falência, nada o impede de buscar a recuperação de sua nova atividade, desde que cumpra os demais requisitos.
- A recuperação judicial não pode ser regra na vida do empresário, ou seja, não pode haver recuperação judicial do setor. Deve ser uma exceção, aplicada apenas ocasionalmente quando o mercado não consegue resolver a crise.
- O mesmo que o ponto anterior, para recuperação judicial com base em plano especial
- A ideia aqui é permitir que apenas os devedores de boa fé obtenham a recuperação, ou seja, somente as entidades presumivelmente idôneas podem requerer a recuperação judicial.
Requisitos formais do pedido
Além dos requisitos presentes no artigo 319 do CPC, a petição inicial da recuperação judicial deverá ser acompanhada de documentos essenciais para a propositura da ação. Segue a lista de alguns desses documentos:
- Causas da situação patrimonial e os motivos da crise econômico-financeira
- Documentação contábil (demonstrações contábeis dos três últimos exercícios)
- Documentos do registro empresarial (ato constitutivo, atas de nomeação…)
- Certidões de protesto
- Relação integral dos empregados
- Relatório detalhado do passivo fiscal
- Entre outros
Análise da petição inicial
O juiz vai verificar a legitimidade do requerente, o cumprimento dos requisitos, bem como a regularidade da petição e da documentação juntada. Trata-se de uma análise prévia para colocar o devedor no processo.
Lembre que a recuperação ainda não foi concedida, mas a partir do deferimento do juiz, o devedor já faz parte do processo e sofre todos os efeitos decorrentes dessa condição.
Efeito do ajuizamento do pedido
A partir do deferimento do pedido, o devedor não poderá alienar bens ou direitos de seu ativo, salvo se for reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores, com exceção daqueles previamente relacionados no plano de recuperação judicial.
Autorizada a alienação pelo juiz, é necessário entender que nos 5 (cinco) dias após à data da publicação da decisão, os credores que corresponderem a mais de 15% (quinze por cento) do valor total dos créditos, poderão manifestar ao administrador judicial, de forma fundamentada, o interesse para realizar uma assembleia-geral de credores para deliberar sobre a realização da venda.
Nas próximas 48 (quarenta e oito) horas após essa manifestação, o administrador judicial irá apresentar ao juiz o relatório apresentado pelos credores, e se cumpridos os requisitos, será convocada a assembleia geral de credores.
Desistência
Caso o juiz ainda não tenha determinado o processamento da recuperação, o devedor pode desistir sem qualquer impedimento. Porém, determinado o processamento, essa desistência só pode ocorrer mediante concordância da assembleia geral de credores (Art. 52, § 4° da Lei 11.101/2005).
Processamento da recuperação judicial
Estando em termos a petição inicial e a documentação apresentada pelo devedor, o juiz deverá deferir o processamento da recuperação judicial, fazendo com que o devedor ingresse no processo.
Conteúdo e efeitos da decisão
Além do deferimento do processamento, a decisão do juiz deve conter a:
- nomeação do administrador judicial
- dispensa das certidões negativas
- suspensão das ações de execução
Essa suspensão não pode ser permanente! Ela será limitada em 180 dias, prorrogados uma única vez, sendo contados da publicação da decisão que defere o processamento.
Mas, toda regra tem sua exceção. E os prazos não serão contabilizados nos casos de ações que demandem quantia ilíquida, as execuções de natureza fiscal e aquelas previstas no art. 49, § 3° da Lei falimentar.
Enfim, essa decisão dará início ao procedimento de verificação de créditos, no qual serão identificados os credores do devedor que poderão se manifestar.
Publicidade
Após o deferimento do pedido de recuperação judicial, deve ser publicado em edital, de acordo com a lei, para ser dada ampla ciência à situação da empresa.
O dispositivo que determina a expedição de tal edital é o art. 52, § 1°, da Lei 11.101/2005.
Condução das atividades
Durante todo o procedimento da recuperação judicial, o devedor ou seus administradores serão responsáveis pela condução da atividade empresarial, sob fiscalização do Comitê, se houver, e do administrador judicial. As exceções de afastamento do devedor ou de seus administradores estão dispostas no artigo 64 da Lei 11.101/2005, que vou deixar o estudo para o caro leitor.
Realizado o afastamento do devedor nas hipóteses previstas no artigo supracitado, o juiz convocará a assembleia geral de credores para deliberar sobre o nome do gestor judicial que assumirá a administração das atividades do devedor, aplicando, se couber, todas as normas sobre deveres, impedimentos e remuneração do administrador judicial.
O administrador judicial exercerá as funções de gestor enquanto a assembleia geral não deliberar sobre a escolha deste.
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