Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado

responsabilidade civil do estado

Você sabe o que é responsabilidade civil extracontratual do Estado? Qual é a responsabilidade assumida pela administração pública ao lesar alguém? 

Em linhas gerais, a responsabilidade civil extracontratual do estado consiste na atuação da administração pública de forma comissiva e omissiva, sendo a mesma responsabilizada tanto por atos lícitos e ilícitos. Inicialmente é necessário fazer a distinção entre a responsabilidade extracontratual (aquiliana) e o poder disciplinar.

poder disciplinar e responsabilidade extracontratual

Logo, a responsabilidade aquiliana é a que importa neste estudo, pois falar em responsabilidade civil extracontratual do Estado, é trazer como vítima um indivíduo com nenhum tipo de vínculo com a administração pública.

Evolução da Responsabilidade Civil do Estado

Historicamente surgiram várias teorias que desenvolveram o estudo sobre a responsabilidade civil do estado.

A primeira é a teoria da irresponsabilidade que defende os aspectos do Estado absolutista (monarca), e a ideia “the king can do no wrong” = “rei nunca erra”. Corrente que é criticada devido a falta de responsabilização.

A segunda é a teoria da responsabilidade e defende que existe a responsabilidade desde que se tenha previsão na lei. A crítica está no fato da lei não conseguir prever todas as situações.

A terceira é a teoria da responsabilidade subjetiva que para seu entendimento é necessário fazermos a distinção entre Atos de Império e Atos de Gestão. 

Nos atos de império há uma imposição do Estado, um exemplo seria o pagamento de tributos. Nos atos de gestão há uma equiparação, um exemplo seria o contrato de locação entre o Estado e o indivíduo. Essa teoria divide-se em duas subteorias, veja a seguir:

culpa individual e culpa anonima ou falta de serviço

E por fim, a teoria da responsabilidade objetiva adotada pelo Brasil, e defende que a vítima não precisa demonstrar ou comprovar a conduta do agente ou a ineficiência do serviço, mas apenas a conduta, o nexo causal e o resultado. 

Neste caso,  para que o Estado não seja acusado injustamente, uma vez que existem situações que ele não é o responsável, existem as excludentes de responsabilidade.

O Estado não será responsabilizado nos casos em que a culpa seja exclusivamente da vítima ou de terceiros, caso fortuito ou força maior, e por fim tem a atenuante, utilizada quando a vítima tiver culpa concorrente (com o Estado) para a ocorrência do fato.  

Caro leitor, é importante não confundir as excludentes de responsabilidade com as excludentes de ilicitude (seara penal), uma vez que falar em excludentes de responsabilidade é considerar tanto condutas lícitas e ilícitas do Estado, e é o que importa para esse estudo.

A teoria da responsabilidade objetiva ainda divide-se em duas subteorias que defendem os casos em que há aplicabilidade das excludentes de responsabilidade, vejamos:

teoria do risco administrativo e teoria do risco integral

Responsabilidade Civil Extracontratual no Brasil

Veja o que o dispositivo da Constituição Federal a seguir prever:

Art. 37. § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Basicamente esse dispositivo indica como se dar a responsabilidade civil extracontratual do Estado no Brasil. 

Inicialmente, é necessário você ter em mente que o Brasil adota a Teoria do Órgão, a qual defende que a responsabilização sempre será da pessoa jurídica, pela prática ilícita de seus agentes. Dito isso, vamos destrinchar o art.37, §6° da Constituição Federal?

Sujeito Ativo

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos (…)”

Sempre o responsável pelo cometimento (salvo, as excludentes de responsabilidade) da conduta serão as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos.

As pessoas jurídicas de direito público são a União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias e Fundações (prestadoras de serviço público). Em contrapartida, são pessoas de direito privado a Empresa Pública (prestadora de serviço privado) e a Sociedade de Economia Mista (explora atividade econômica).

Sujeito Passivo

“(…) causarem a terceiros (…)

É aquele que foi lesado pela administração pública. Digamos que A é motorista de um ônibus municipal, e na condução de algumas pessoas, acaba atropelando B, neste evento além de lesionar gravemente B que não estava utilizando o ônibus, também lesionou uma passageira devido a parada brusca.

Na sua opinião, quem terá direito? Ambas? Ou só quem estava utilizando o serviço público (diretamente)? Ou só quem não estava utilizando o serviço público (reflexa)?

Esses questionamentos fizeram com que a doutrina se dividisse, porém, hoje é majoritário que ambas terão direito a reparação.

Conduta

“(…) responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade (…)

Como citado anteriormente, o Brasil adota a Teoria do Órgão, também chamada de imputabilidade volitiva. Veja a seguinte situação:

A é auditor-fiscal, e seu horário de trabalho é entre 8h-18h, ocorre que este se dirige ao estabelecimento de B as 19h, utilizando-se de sua qualidade de auditor, chantageando e cobrando um valor x de tributos a B, pois em caso da propina não ser entregue, estabelecerá juros e multas altíssimas para B.

Neste caso, não importa dolo ou culpa, conforme a teoria da responsabilidade objetiva, B deve provar apenas a conduta e quem será responsabilizado pela conduta do auditor-fiscal, conforme teoria do órgão será a União, que indenizará o comerciante.

Agora, digamos que A é policial e encontra-se em um bar bebendo pleno domingo, quando vê B, seu desafeto e atira. Nesta situação, quem responde?

Inicialmente, pela teoria do órgão, o Estado onde o policial reside responderia, porém, é necessário fazermos outro questionamento. A arma é da cooperação ou particular?

Assim, caso a arma seja da cooperativa que o policial atua, o Estado que irá responder e caso a arma seja particular, o próprio A responderá, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Nexo de Causalidade

É o liame entre o sujeito ativo e o sujeito passivo, não podendo esquecer as hipóteses excludentes de responsabilidade e a atenuante (teoria da responsabilidade objetiva).

Dano

“(…) causarem (…)”

Para configurar-se dano é necessário que ele seja certo (que pode ser visualizado objetivamente), excluindo um dano suposto (“eu acho”) e deve atingir determinadas pessoas (específico).

Outro requisito é o dano ser anormal, aquele que extrapola as dificuldades do dia a dia, por exemplo o engarrafamento, o indivíduo tem o direito de ação, porém o engarrafamento é comum, é um dano normal.

Teoria da Dupla Garantia

 “(…) assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Digamos que A motorista de um carro a serviço do setor de obras de um Município, ao dirigir o referido veículo, atropela B. Nesse caso, B fratura as duas pernas, dois braços, tem traumatismo craniano e perde muito sangue. Mas sobrevive.

Quem irá processar quem? É a teoria da dupla garantia que irá responder esse questionamento, veja na imagem a seguir:

dupla linha de garantia - responsabilidade civil do estado

Possibilidade de Denunciação à Lide

Basicamente a denúncia à lide consiste na vítima ou no Estado chamar o outro para compor o mesmo processo. No exemplo anterior, pode o município que o motorista trabalha, chamar B (vítima) para pleitearem juntos, contra o agente?

Esse questionamento trouxe entendimentos divergentes entre os tribunais. O Superior Tribunal de Justiça defende que é possível e uma maneira de colaboração na efetivação da celeridade processual.

Em contrapartida, o entendimento majoritário é do Supremo Tribunal Federal, que alega a impossibilidade, uma vez que a vítima, ao contrário da pessoa jurídica, não precisa comprovar dolo ou culpa.

Prazos Prescricionais

Atualmente, sobre a matéria o ordenamento jurídico dispõe do Decreto 20.910/1932 que trata de assuntos atinentes à Administração Pública, e que prevê o prazo de 5 anos (a contar da ocorrência do fato) para a vítima propor ação contra o Estado.

Por outro lado, o Código Civil em seu art.206, §3°, inciso V, cita o prazo de 3 anos para reparação civil.

Deste modo, quando no pólo ativo estiver pessoas jurídicas de direito público deve aplicar-se o prazo de 5 anos (em conflito de normas, aplica o princípio da especialidade) e na hipótese de pessoas jurídicas de direito privado, aplica-se o prazo de 3 anos.

O prazo para o administração pública propor ação contra o agente público segue um regramento diferente, vejamos o que a Carta Magna diz:

Art.37, § 5º. CF. A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

Até o ano de 2018 o ressarcimento tinha um prazo imprescritível, posteriormente passou a ser considerado o prazo de 5 anos, contados a partir do trânsito em julgado da ação da vítima. Em casos dolosos o prazo permanece imprescritível e em casos culposos o prazo de 5 anos.

Responsabilidade Civil do Estado em caso de omissão

A omissão é uma exceção à regra da aplicabilidade da teoria da responsabilidade objetiva. Para compreender é necessário revisar a subteoria da culpa anônima, a qual defende que a vítima deve provar que o serviço público não foi prestado, ao ser prestado, foi em atraso e a má prestação do serviço público.

Em caso de omissão do Estado, deve ser aplicado a Subteoria Anônima (teoria da responsabilidade subjetiva), pois nem todo desleixo é culpa do Estado.

Visto isso, é necessário analisar se o Estado tem o dever legal de atuação, a possibilidade de agir e ter uma situação específica.

Digamos que X é assaltado em frente a delegacia e os policiais não fizeram nada, se não fizerem nada, o Estado responderá. Diferente de X ser assaltado em ônibus público, que configura-se como uma reserva do impossível.

Para pacificar o entendimento, o Superior Tribunal de Justiça defende a teoria do dano direto e imediato, alegando que em casos de condutas omissivas, para que a responsabilidade seja caracterizada, é necessário que não ocorra a quebra dos desdobramentos.

Digamos que X fugiu da cadeia e na mesma hora se dirigiu a casa de Y e cometeu um estupro. Note que não houve quebra de desdobramento, neste caso Y pode processar o Estado, diferentemente, da situação em que X fugiu e após 2 meses comete o crime, neste caso o Estado não pode ser processado. 

Veja o esquema sobre as regras e exceções:

responsabilidade civil do estado

Que tal analisar algumas situações?

Responsabilidade por atos de multidões

Imagine uma manifestação na rua e os manifestantes começam a praticar atos de vandalismo, o Estado não será responsabilizado pela culpa exclusiva de terceiros.

Porém, em caso de omissão a responsabilidade depende de condições! Se o Estado dar todo amparo e ver nas redes sociais os manifestantes divulgando que cogitam realizar tais ações e realizam, responderá.

Responsabilidade por obra pública

O primeiro caso é a necessidade de uma obra pública, por exemplo, a construção de um cemitério que gera danos a casa de um indivíduo (desvaloriza), neste caso, estamos diante de um ato lícito e que acarreta danos, assim a obra será executada e o dono da casa será indenizado.

Diferentemente da má execução de uma obra, pois poderá o ente público responder se um pedreiro concursado for o responsável pela construção de uma escola e que o teto caiu na cabeça de uma criança.

Outra situação é quando a administração pública abre uma licitação para contratar uma empresa para realizar obras. Neste caso, quem responde?

Em regra, a responsabilidade recai sobre a empreiteira, todavia a vítima pode acionar o ente subsidiariamente (administração pode responder subsidiariamente, pois ela também deve fiscalizar a obra), caso prove a omissão na atividade de fiscalizar, um exemplo é o caso da empresa entrar em processo de falência.

Responsabilidade por ato legislativo

Em regra, quando um ente cria uma lei que de certa forma afeta sua empresa, automaticamente não pode gerar sua responsabilização.

Ao contrário de leis inconstitucionais que podem ser questionadas. As leis de efeitos concretos são aquelas que formalmente nascem como lei, mas materialmente é um ato administrativo, como as que dispõe da criação de órgãos, cargos, lei orçamentária, em casos de gerar danos, os prejudicados podem propor ação contra o Estado.

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Responsabilidade por ato judiciário

Não existe responsabilização do Estado pelo ato jurisdicional, afinal é um exercício pleno do poder judiciário e em regra não gera responsabilização.

Porém, existem algumas exceções. O erro judicial na esfera criminal previsto no art.5°, inciso LXXV da Constituição Federal é um exemplo, caso um indivíduo seja preso injustamente, o Estado será responsabilizado.

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Sobre o Autor

Vanessa da Silva Souza
Vanessa da Silva Souza

Redatora do Destrinchando o Direito. Acadêmica do 6º semestre do Curso de Direito. Estagiária do Tribunal de Justiça do Ceará. Ex Estagiária da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará. Membro do Grupo de Pesquisa das Ciências Criminais e Criminologia Contemporânea - Criminis.

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