Norma Penal no Tempo e no Espaço – Entenda sua aplicação
Com certeza você já ouviu falar em um caso que tratava muito sobre a norma penal no tempo, ou até mesmo com algum conflito de normas penais no espaço. Quando um cidadão brasileiro comete crime fora do país ocorre esse conflito penal no espaço.
É sobre esses tipos de aplicações que iremos destrinchar a seguir. Vamos nessa!
Norma penal no tempo, qual lei é aplicável?
De modo geral, a aplicação da lei é a tempus regit actum, ou seja, é aplicada a lei vigente ao tempo do fato (famoso princípio da atividade). Nosso código penal considera como tempo do crime o momento da ação ou omissão, ainda que o resultado tenha se dado em momento diverso, como bem disposto no artigo 4 do Código Penal.
Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.
Na prática, o aplicador da lei deve saber a data do crime e procurar a legislação vigente à época. Em um caso concreto, deve sempre aplicar a lei mais favorável. Se mais benéfica, retroage e se mais gravosa, não retroage.
De acordo com o princípio da legalidade a lei penal incriminadora deve ser anterior ao fato. Se posterior, é irretroativa, como disposto no artigo 5°, XXXIX, da CF e artigo 1° do CP.
Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Artigo 5°, XXXIX, da CF e Artigo 1° do CP
A irretroatividade é o ponto central aqui, garantindo uma segurança jurídica e impedindo que juízos de exceção provoquem comoção punitiva atingindo fatos pretéritos.
A irretroatividade da lei penal mais grave se aplica não só a criação de novos crimes, mas também ao aumento da pena ou qualquer agravamento da situação do infrator como por exemplo: regime de cumprimento de pena mais rígido, aumento do prazo prescricional (saiba mais sobre prescrição e decadência clicando aqui), ou qualquer outro que afete os direitos de liberdade do réu.
Exceção da irretroatividade da lei penal
Essa exceção é, justamente, a lei penal mais benéfica (art.5°, XL, da CF/88 e art. 2°, parágrafo único, do CP) que alcançará tanto fatos pretéritos a vigência da lei, ainda que alcançados por sentença condenatória transitada em julgado, quanto fatos posteriores a sua revogação (princípio da extra-atividade).
a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
art.5°, XL, da CF/88
O primordial aqui é reconhecer qual a lei mais favorável ao infrator e estabelecer uma comparação:
a) quando a lei revogadora é mais benéfica, será retroativa;
b) quando a lei revogada é mais benéfica, ela terá ultra-atividade, aplicando-se aos fatos cometidos durante sua vigência.
Hipóteses de conflito de norma penal no tempo
São quatro as hipóteses de conflito na norma penal no tempo, que são:
Abolitio criminis
É a descriminalização de determinada conduta por lei nova que deixa de considerar crime conduta anteriormente tipificada como ilícito penal.
Ela apaga qualquer efeito da lei penal incriminadora, da pena em cumprimento, passando pelo processo e chegando até a própria anotação na ficha criminal do indivíduo, não podendo ser considerada para configurar reincidência ou maus antecedentes;
Novatio legis incriminadora
Conduta que antes não era considerado crime é tipificado por lei nova. Assim, consagra a anterioridade da lei penal, não se aplica a fatos anteriores a sua vigência;
Lex mitior
Lei posterior que melhora a situação do sujeito. Ou seja, de acordo com a retroatividade da lei mais benigna, como consagrado na Constituição de 1988. A lei posterior mais benéfica sempre retroage, alcançando inclusive os fatos já alcançados por decisão condenatória já transitada em julgado.
Diferencia-se da abolitio criminis, uma vez que aqui não é a conduta, mas outras circunstâncias que são modificadas pela nova lei como: pena ou tempo de prescrição.
Lex gravior
Lei posterior que agrava a situação do sujeito. A lei mais gravosa não retroage, aplicando-se apenas aos fatos ocorridos após sua vigência. Aos fatos anteriores a lei mais gravosa, se aplica a lei anterior mais benigna (ultra-atividade da lei mais benigna).
Controvérsias em face da lei penal no tempo
Ultra-atividade das leis penais temporárias ou excepcionais
Conforme previsto no art. 3° do CP, as leis penais temporárias (que preveem um prazo pré-determinado de vigência) ou excepcionais (que preveem a vigência de determinada lei penal enquanto durarem situações de emergência como: enchente, terremoto) se aplicam ao fato praticado sob sua vigência, ainda que revogadas.
Parte majoritária da doutrina entende que não se aplica a retroatividade de lei para beneficiar o réu, porque as situações tipificadas são diversas, permanecendo a razão temporária de incriminação ou agravamento da punição.
Parte minoritária da doutrina entende que a exceção prevista no art.5°, XL, da CF/88 é incondicional e que todos os efeitos da lei penal temporária, quando perder vigência, devem ser cassados.
Combinação de leis – lex tertia
A doutrina e a jurisprudência se dividem quanto à possibilidade de conjugar leis em benefício do réu, ou seja, considerar parte de cada lei em conflito para aplicar uma solução em concreto mais vantajosa. Porém, o entendimento predominante ainda se perfaz no sentido em inadmitir a utilização da combinação de leis.
A discussão sobre a lex tertia se dá com relação ao crime de tráfico de drogas anteriormente previsto na Lei 6.368/1976 e hoje elencada na Lei 11.343/2006.
· Antiga Lei de Drogas (Lei 6.368/76): 3 a 15 anos de prisão (pena mais branda, mas sem possibilidade de diminuição de pena)
· Nova Lei de Drogas (Lei 11.343/06): 5 a 15 anos (pena mais gravosa) (Possibilidade de diminuição de pena (1/6 a 2/3)
A indagação que se faz é: Se o crime foi cometido na vigência da Lei 6.368/76, pode o juiz considerar a pena mínima desta (3 anos) e a possibilidade de diminuição da pena trazida pela Lei 11.343/06, concomitantemente?
Os Tribunais Superiores entendem que não!
Ao combinar as leis, o juiz transforma-se em legislador, criando uma terceira lei (lex tertia). Ou seja, o que deve ser feito é ponderar os benefícios e malefícios de cada lei separadamente (princípio da ponderação unitária).
Leis processuais
Outra questão interessante é se o alcance das regras de aplicação da lei penal no tempo atinge somente as leis materiais ou também as normas processuais.
Antes de mais nada é necessário identificar se o objeto jurídico em questão é previsto ou não no Código Penal. Desse modo, além da incriminação e da pena, também se incluem, ainda que de caráter processual, situações que envolvam a ação penal, regime de cumprimento de pena, causas extintivas de punibilidade e prescrição (norma de natureza híbrida).
Além disso, é necessário saber se, ainda que de cunho processual, a questão envolve o direito de liberdade do acusado, como regras para a decretação de prisão provisória. Nesses dois casos a lei retroage para beneficiar o réu.
Outro modo é identificar se as leis processuais em questão são fundamentais ao direito de ampla defesa e ao contraditório do acusado.
Nesse caso, a doutrina e a jurisprudência não tem uma posição unânime, mas é uma tendência considerar que essas normas têm caráter híbrido e, portanto, não são meros procedimentos, mas verdadeira garantia do acusado.
Norma penal no espaço, a lei de qual país é aplicável?
Esse ponto é de extrema importância pois o território delimita a jurisdição que um Estado soberano tem para processar e julgar os crimes. Ou seja, existem casos específicos em que há um interesse na persecução criminal que justifica a ampliação da jurisdição, esses são os casos em que se aplica o critério de extraterritorialidade.
Esse estudo se resume basicamente a isto, entender que o conceito de território engloba e especifica as hipóteses que, embora se encontrem fora dessa abrangência, ainda assim são considerados de competência da justiça brasileira.
Territorialidade
Em um crime cometido em território nacional, o critério adotado é da territorialidade (art. 5°, caput, CP). Território brasileiro é a faixa de terra e mar territorial (12 milhas contadas do litoral), e todo o espaço aéreo e subsolo correspondente.
Para efeitos penais, as embarcações e aeronaves públicas são consideradas extensão do território brasileiro e as privadas também o são quando localizadas em alto mar ou em seu espaço aéreo correspondente (art.5°, §§ 1° e 2°, CP).
O Brasil adota a teoria da ubiquidade, ou seja, tem competência para processar e julgar os crimes em que a ação ou o resultado ocorreram ou deveriam ocorrer (segundo o plano do agente) em território nacional (art. 6°, CP), evitando que o crime deixe de encontrar resposta penal (conflito negativo de jurisdição).
Como medida de justiça, entretanto, computa a pena cumprida pelo mesmo fato no estrangeiro (art.8°, CP). A principal exceção à territorialidade se dá no caso de imunidade diplomática, que garante aos agentes diplomáticos serem processados em seus países de origem e garante a inviolabilidade das embaixadas.
Essas hipóteses se dividem em:
a) Incondicionadas (art.7°, §1°, CP), quando a lei brasileira sempre se aplica.
b) Condicionadas (art.7°, §2°, CP), quando a lei brasileira só pode ser aplicada se previstas as condições objetivas de punibilidade do art.7°, §2°, CP.
O que fazer quando alguém que comete um crime em outro país e vem para o Brasil?
Para solucionar esse problema surgiu uma obrigação internacional de cooperação em âmbito penal, a extradição. Não basta que ocorra somente este fato para que o Brasil entregue o indivíduo a justiça estrangeira.
O direito brasileiro prevê, para que isso ocorra, algumas condições, na forma dos artigos. 82 e 83 da Lei 13.445/2017. A leitura e o aprofundamento desses artigos irei deixar para você leitor.
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