Jurisdição e competência no Novo CPC

jurisdição e competência

Jurisdição e competência… Dois termos emblemáticos e discutidos no direito. Jurisdição é o mesmo que competência? Quem é competente para julgar? Pode haver delegação de competência? É possível o magistrado reconhecer de ofício sua incompetência? 

Nesse post responderei inúmeras perguntas sobre o tema. Nesse sentido, busquei desenvolver de maneira didática o conteúdo e agrupar as principais discussões doutrinárias em um só lugar. Boa leitura 😉

O que é jurisdição? 

A palavra jurisdição significa “dizer o direito”.  Basta lembrar do excelente site de jurisprudência e informativos do Professor Márcio André Lopes Cavalcante (www.dizerodireito.com.br). 

Portanto, a jurisdição é o poder de decidir um caso concreto. Apesar de a jurisdição ser “una” e indivisível como função do Estado, existem classificações. Ou seja, há uma especialização conforme a matéria em discussão, vejamos a tabela a seguir: 

Justiça EspecializadaEleitoral
Trabalhista
Penal Militar
Justiça ComumFederal
Estadual

Caso a situação não se enquadre em uma das justiças especializadas (eleitoral, trabalhista e militar), trata-se de competência da Justiça Comum (Federal ou Estadual). 

Desse modo, é necessário analisar se algum ente federal é parte do processo (União, Autarquias ou Empresas Públicas Federais). Se for, a competência será da Justiça Federal, caso contrário, a competência será da Justiça Estadual.

Exceção em ações previdenciárias

Quando se trata de ações contra o INSS (Autarquia Federal) e não houver vara federal na cidade do autor, será possível o ajuizamento da ação na Justiça Estadual (competência delegada), conforme art. 109, §§3° e 4° da CF/88

Porém, isso ocorrerá quando a comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 km do município sede da vara federal, nos termos da Lei n° 13.876/2019

O que é competência? 

Trata-se da medida ou parcela da jurisdição. Apesar de todo juiz ser investido de jurisdição, cada magistrado tem uma parcela da jurisdição para julgar determinadas causas. Existem vários critérios para a classificação da competência, vejamos. 

Critérios para a classificação da competência

Competência concorrente

Em relação ao juiz brasileiro ou juiz estrangeiro, há competência concorrente quando o juiz brasileiro e o juiz de outro país podem tratar da matéria (CPC, arts. 21 e 22). Em outras palavras, ocorre quando: 

  • O acusado reside no Brasil, independente da nacionalidade.
  • A obrigação tiver que ser cumprida no Brasil; 
  • O fato da demanda tiver sido praticado no Brasil; 
  • Ação de alimentos, se o autor for domiciliado ou residente no Brasil ou se o réu tiver algum vínculo no Brasil (bens, renda ou benefícios econômicos); 
  • Ações de consumo na qual o consumidor é residente ou domiciliado no Brasil; 
  • Ação em que as partes se submetem à jurisdição nacional (ou seja, quando há o processo no Brasil e não há impugnação pelo réu, ainda que não se esteja diante de uma das hipóteses anteriores).

Portanto, a decisão estrangeira, para ser executada no Brasil, deve inicialmente passar pelo procedimento de homologação de decisão estrangeira (CPC, arts. 960 e s.), procedimento de competência exclusiva do STJ.

Competência exclusiva

Quando somente o juiz brasileiro pode tratar acerca da matéria, estamos diante da competência exclusiva (art. 23 do CPC). Alguns exemplos são: 

  • Ações relacionadas a imóveis localizados em território brasileiro; 
  • Ações relativas à sucessão na qual os bens estão localizados no Brasil, mesmo que o autor da herança seja estrangeiro. 
  • Em divórcios ou dissoluções de união estável que demandam a partilha de bens localizados no Brasil, mesmo que o proprietário seja estrangeiro, é obrigatório iniciar um processo perante um juiz brasileiro, conforme ocorrido anteriormente.

Tipos e espécies de competência

Temos a competência absoluta, fundada em interesse público, ou seja, não pode ser alterada por vontade das partes, e a competência relativa, fundada no interesse das partes, e que pode ser alterada se estas assim quiserem.

Competência absoluta

  1. Competência em razão da matéria: Justiça Federal, Estadual ou Trabalhista. Vara Cível, Criminal ou Família. 
  2. Competência em razão da pessoa: o fato de o ente federal participar do processo influencia na fixação da competência (União, empresa pública federal, autarquia federal, fundação federal e ainda conselhos de fiscalização profissional, como a OAB).
  3. Competência em razão da função ou competência hierárquica: competência originária em 1º grau (regra) ou em grau superior. 

No caso das três espécies de competência absoluta, ainda que haja contrato entre as partes escolhendo que a lide seja solucionada por outro órgão judiciário, isso não será aceito pelo juiz (exatamente porque se trata da competência absoluta, em que não há liberdade das partes para alterá-la).

Competência relativa

  • Competência territorial: São Paulo ou Rio de Janeiro.
  • Competência em razão do valor: Juizado Especial ou Vara tradicional.

Nestes casos, diferentemente do que se expôs em relação à competência absoluta, é possível se falar em foro de eleição, ou seja, podem as partes optar, em contrato, por um órgão judiciário situado em comarca distinta daquela prevista em lei como a territorialmente competente. 

Exatamente porque esta competência se funda no interesse das partes. Por isso, as espécies mais debatidas em exames de ordem são a competência absoluta em razão da matéria e da pessoa e a competência relativa territorial.

Tabela comparativa (competência absoluta e relativa)

Tipo de competênciaConhecimento de ofício pelo juizArguição do réuConsequências
AbsolutaSim, de ofício (CPC, art. 64, § 1º)Preliminar de contestação (CPC, art. 64)Pode ser alegada/conhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição (CPC, art. 64, § 1º) Após coisa julgada, cabe rescisória (CPC, art. 966, II)
Relativa(IMPORTANTE) Não, a parte precisa provocar (CPC, art. 65)*Preliminar de contestação (CPC, art. 64).Prorrogação da competência (CPC, art. 65)

Conhecimento de ofício da incompetência relativa

Em relação ao conhecimento de ofício da incompetência relativa pelo juiz (assinalado com * na tabela acima), há uma exceção (CPC, art. 63, § 3º). Isto é, tratando-se de situação em que há eleição de foro, com cláusula abusiva, poderá o juiz de ofício declarar que a cláusula é ineficaz, remetendo os autos ao juízo do foro do domicílio do réu. 

Como exemplo (mas não a única situação), em relações de consumo, cláusula de eleição de foro em prejuízo do consumidor.

Ou seja, de acordo com a tabela acima, uma importante modificação em relação ao sistema anterior se refere à forma de impugnação a incompetência: seja qual for o tipo de incompetência, ela deve ser alegada em preliminar de contestação, não mais existindo a figura da exceção de incompetência relativa. 

Critérios para fixação da competência territorial

  • Direito pessoal ou real sobre bens MÓVEIS = Competência no foro do domicílio do réu (CPC, art. 46).
  • Direito real sobre IMÓVEIS, compete o foro do local da coisa (CPC, art. 47). Além destas duas regras gerais, existem diversas exceções.

Artigos 48 e 53 do o CPC

  • No inventário, partilha, arrecadação, cumprimento de disposições de última vontade ou impugnação de partilha extrajudicial: foro do último domicílio do falecido – mesmo foro competente para todas as ações em que o espólio for réu (CPC, art. 48);
  • Quando o réu for incapaz: foro do domicílio de seu representante ou assistente (CPC, art. 50);
  • No divórcio (e ações correlatas): a) foro do domicílio do guardião do filho incapaz (ou seja, do domicílio de quem tiver a guarda do incapaz); b) se não houver filho incapaz, do último domicílio do casal; c) se nenhum dos cônjuges morar no antigo domicílio do casal, no domicílio do réu (CPC, art. 53, I). Assim, não existe mais a previsão de que o divórcio será no domicílio da mulher; além disso, se houver violência doméstica e familiar (aplicação da Lei Maria da Penha), a competência será do domicílio da vítima (previsão inserida pela Lei n. 13.894/2019);
  • No caso de ações cíveis decorrentes de violência doméstica e familiar, o domicílio da vítima, com base em demandas ligadas à Lei n. 11.340/2006 (CPC, art. 53, I, d, inserido pela Lei n. 13.894/2019);
  • Na ação de alimentos: foro do domicílio de quem pleiteia alimentos (CPC, art. 53, II);
  • Na ação envolvendo estatuto do idoso (Lei n. 10.741/2003), na residência do idoso (CPC, art. 53, III, e);
  • Nas ações de reparação de danos, no lugar do ato ou fato (CPC, art. 53, IV, a);
  • Nas indenizações decorrentes de acidente de veículo (inclusive aeronave) ou dano decorrente de delito: foro do local do fato ou do domicílio do autor (CPC, art. 53, V);
  • Nas lides envolvendo relações de consumo: foro do domicílio do consumidor (CDC, art. 101, I);
  • Nas ações de despejo, se não houver foro de eleição: foro do local do imóvel (Lei n. 8.245/91, art. 58, II).

Alterações da competência

Normalmente, ocorre a perpetuatio jurisdictionis, ou seja, a competência é estabelecida quando o processo é registrado ou distribuído, e quaisquer mudanças posteriores são irrelevantes (artigo 43 do CPC). No entanto, em alguns casos, por questões de rapidez e praticidade, é permitido modificar a competência.

Entretanto, mesmo o artigo 43 do CPC, que trata da perpetuação da jurisdição, apresenta exceções. A redistribuição pode ocorrer se:

  • O órgão judiciário perante o qual o processo está em curso for suprimido; ou
  • Houver mudança na competência absoluta (seja na matéria, nas partes envolvidas ou na hierarquia/função judicial).

Por sua vez, a competência pode ser modificada quando há conexão (quando duas ou mais ações têm a mesma causa de pedir ou pedido – conforme o artigo 55 do CPC) ou continência (quando duas ou mais ações envolvem as mesmas partes e causa de pedir, mas o pedido em uma delas é mais amplo – conforme o artigo 56 do CPC).

Quando há conexão, os processos são reunidos para serem julgados juntos. No entanto, essa reunião só acontece se ambos os processos estiverem no mesmo nível de jurisdição (de acordo com o parágrafo 1º do artigo 55 do CPC).

O CPC traz inovações ao identificar situações específicas em que há conexão (conhecida como conexão legal – conforme o artigo 55, § 2º do CPC): 

  1. Execução de título executivo extrajudicial e processo de conhecimento referente à mesma dívida; e 
  2. Execuções baseadas no mesmo título executivo.

Outra novidade do CPC é a possibilidade de reunir processos semelhantes, mesmo na ausência de conexão (conforme o artigo 55, § 3º do CPC).

Quanto à continência (de acordo com o artigo 57 do CPC), isso pode levar à: 

  1. Reunião dos processos; ou 
  2. Extinção de um deles (uma inovação na legislação).

Competência pela prevenção

Se a situação de conexão ou continência determinar a união das demandas, a prevenção será responsável por determinar qual tribunal será encarregado de julgar ambos os casos. 

Isso significa que o juiz que primeiro foi designado para lidar com o processo, seja através da distribuição ou registro (conforme o artigo 59 do CPC), será o responsável pelo julgamento.

Quando um ou mais juízes têm dúvidas sobre sua competência para julgar o mesmo caso, utiliza-se o conflito de competência (de acordo com o artigo 66 do CPC). Esse conflito surge quando há incerteza entre dois ou mais juízes sobre quem deve presidir o caso, devido a questões como conexão, continência, prevenção ou acessoriedade.

O conflito pode ser levantado pelo próprio juiz, pelo Ministério Público ou pelas partes envolvidas (conforme o artigo 951 do CPC) e pode ser negativo (quando ambos os juízes consideram-se incompetentes para julgar o caso) ou positivo (quando ambos os juízes se consideram competentes para julgar o caso).

Conclusão

Após explorar os conceitos de jurisdição e competência, assim como suas nuances e implicações no sistema jurídico, podemos concluir que são termos fundamentais e frequentemente discutidos no direito. 

Embora intimamente relacionados, jurisdição e competência não são sinônimos. 

Enquanto jurisdição refere-se ao poder de decidir casos concretos, competência diz respeito à medida ou parcela desse poder atribuída a cada magistrado para julgar questões específicas.

A análise da competência é crucial para determinar qual tribunal ou juízo será responsável por julgar uma determinada ação. Ou seja, essa determinação pode ser influenciada por diversos critérios, como a matéria em discussão, a natureza das partes envolvidas e a territorialidade. 

Espero que este post tenha proporcionado uma visão clara e didática sobre o tema, reunindo as principais discussões doutrinárias em um só lugar. Obrigado pela leitura até aqui, deixe seu comentário em caso de eventual dúvida!

Leia também: Intervenção de terceiros no Novo CPC: conceito e modalidades

MAPAS MENTAIS OAB

Sobre o Autor

Césary Matheus
Césary Matheus

Acadêmico de direito, redator e fundador do Blog Destrinchando o Direito.

0 Comentários

O que achou do conteúdo? Deixe seu comentário!

Solicitar exportação de dados

Use este formulário para solicitar uma cópia de seus dados neste site.

Solicitar a remoção de dados

Use este formulário para solicitar a remoção de seus dados neste site.

Solicitar retificação de dados

Use este formulário para solicitar a retificação de seus dados neste site. Aqui você pode corrigir ou atualizar seus dados, por exemplo.

Solicitar cancelamento de inscrição

Use este formulário para solicitar a cancelamento da inscrição do seu e-mail em nossas listas de e-mail.