Cena Polêmica – “Como se tornar o pior aluno da escola” – Análise Jurídica

como se tornar o pior aluno da escola

Todo direito fundamental é absoluto? Qual o limite da livre expressão artística? Em um estado democrático de direito que visa garantias, pode ocorrer censura? O filme “Como se tornar o pior aluno da escola” viola o ECA?

Esses são alguns questionamentos sobre a atual repercussão do filme “Como se tornar o pior aluno da escola”, lançado há 5 anos. Que tal uma análise jurídica sobre o caso?

Entenda o Caso 

O filme “Como se tornar o pior aluno da escola” estreou no ano de  2017 e é uma comédia baseada na obra do apresentador Danilo Gentili, que porta o mesmo título.

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A grande polêmica surgiu após parlamentares compartilharem em suas redes sociais a cena em que o vilão, interpretado pelo ator Fábio Porchat,  assedia sexualmente dois garotos ao propor um ato sexual como forma dos amigos se entenderem. E o conteúdo foi visto como apologia à pedofilia.

Com isso o Ministério da Justiça recebeu denúncias, e a Secretária Nacional do Consumidor determinou a retirada do filme de todas as plataformas de streaming, sobre o fundamento de proteção a criança e adolescente consumerista.

Veja informações sobre essa decisão – clique aqui.

Decisões sobre o assunto

Depois da primeira decisão, José Vicente Santini (Secretário Nacional de Justiça) realizou um novo despacho que determinou uma nova recomendação de faixa etária de 14 para 18 anos de idade e o horário de 23h00 (vinte e três horas) para transmissão em canal aberto. Assim, a ordem não foi para as plataformas realizassem a retirada do filme, mas seguir as novas disposições, sob pena de multa.

Logo, a primeira decisão gerou críticas, inicialmente devido a contradição entre as decisões do Ministério da Justiça, que em 2017 (época da estreia) teria dado a faixa etária de 14 anos ao filme.

A segunda crítica é em razão da competência, uma vez que o Ministério da Justiça em regra pode dispor apenas sobre as faixas etárias e horários, conforme a Portaria n° 1.189/2018. E além de ser um órgão do executivo, não possui nenhuma competência expressa na Constituição Federal de proibir a exibição de qualquer veiculação.

Inclusive o Supremo Tribunal Federal na Ação Indireta de Inconstitucionalidade n° 2404, entendeu que a exibição de um programa em horário diferente ao indicado em nenhuma hipótese pode sofrer penalidade, o que vai totalmente de encontro com a atual decisão que indica a proibição da exibição do filme antes das 23h00 (vinte e três horas), sob pena de multa.

Censura em pleno século XXI?

Após a manifestação do Ministério da Justiça através da Secretaria Nacional do Consumidor, em proibir a exibição do “Como se tornar o pior aluno da escola”, iniciaram críticas quanto a decisão, classificando-a como um ato de censura.

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Veja o que a Constituição Federal prever sobre censura:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição .

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política,

Os últimos atos de censura no Brasil foram na época da Ditadura Militar, marcada pela violação de vários direitos. Assim, a ordem de proibir a exibição de um filme que está em circulação desde 2017, se configura como um ato de censura, e restringe a livre expressão da atividade artística, garantida pela constituição e que será ponto de discussão à frente.

Algumas plataformas não se conformaram com a medida imposta inicialmente, e afirmaram entender as preocupações do público sobre a cena do filme, mas pontuaram que é critério do assinante acessar ou não o conteúdo.

Por esse motivo, defendeu a não retirada, uma vez que a suspensão se configura em um ato de censura, o que consequentemente classifica a decisão como inconstitucional, devido ferir a liberdade de expressão.

Até que ponto vai a liberdade de expressão na atividade artística?

A liberdade de expressão é um gênero que comporta várias espécies. Após o contexto vivenciado pela Ditadura Militar, há quem defenda a liberdade de expressão como preferência, e na hipóteses de conflitos entre princípios e que seja necessária a ponderação, esse direito deve prevalecer.

Porém, nenhum direito é absoluto!

A Constituição Federal, em seu art.5° cita:

Art.5°, IX – É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

O inciso prever a atividade artística como um direito fundamental. No caso em análise, a ato de proibir a exibição do filme nas plataformas violou a garantia constitucional, afinal o texto diz expressamente que a atividade artística é livre independentemente de censura ou licença.

O ator Fábio Porchat (interpreta o violão) declarou que a cena não trata-se de apologia, mas apenas a tentativa de passar para o público o mundo perverso do personagem.

Veja os esclarecimentos do ator aqui.

Estatuto da criança e do adolescente (ECA).

A manifestação dos parlamentares defendeu a proteção à crianças e adolescentes, e a violação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nos seguintes dispositivos:

Art. 240.  Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Art241C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

O primeiro artigo é um tipo penal atrelado ao transtorno da pedofilia, porém, não será o transtorno que será levado em consideração, mas condutas relacionadas a produção de conteúdos que contém cenas explícitas ou pornográficas envolvendo crianças e adolescentes, que são tipificadas como crime.

Inclusive o STJ entende que o simples fato da criança participar de uma cena de conteúdo produzido, reproduzido, dirigido de conotação sexual, enquadra-se no tipo.

O segundo artigo, é para aquele indivíduo que de alguma forma realiza uma montagem que demonstre uma simulação de participação de crianças ou adolescentes em cena de sexo explícita ou pornográfica, ou seja, qualquer montagem de vídeo ou representação visual, configura a pratica.

Como citado anteriormente, nenhum direito é absoluto. E a limitação do direito à atividade artística encontra-se na distinção entre ficção e um ato que venha a configurar-se como ilícito.

No caso em comento, a cena foi indicada como apologia a pedofilia e o ato praticado seria um incentivo.

Os crimes previstos no ECA podem ser aplicados no filme?

A aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente visa fatos reais e não de produção cultural e artística!

No próprio Estatuto dispõe:

Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:

I – a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, em:

e) estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão.

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, a autoridade judiciária levará em conta, dentre outros fatores:

f) a natureza do espetáculo

Conforme as previsões expostas, para que uma criança ou adolescentes possa participar de uma produção cinematográfica é necessário a autorização dos pais e da justiça. Além disso, o dispositivo pontua que existe uma análise da natureza do espetáculo pela autoridade judicial.

Logo, esses procedimentos legais afastam qualquer possibilidade de crime, pois a criança é submetida à cena de ficção, que a priori é de conhecimento dos pais e do próprio juiz.

Ainda pode-se falar da existência de inúmeras situações que são retratadas em produções artísticas e culturais que possuem a participação de crianças onde retratam por exemplo crimes, e não são vistas como apologia e sim cenas fictícias.

Opinião

É notório que o filme “Como se tornar o pior aluno da escola” trouxe inúmeras críticas. De um lado os direitos que são garantidos pela Carta Magna e do outro, normas que visam garantir proteção às crianças e adolescentes. 

É verídico ainda, que nenhum direito fundamental é absoluto, e essa ideia abre margem para as interpretações. Porém, o ato de proibir a exibição do filme após 5 anos que se encontra no ar, configura-se como um ato que leva nossa sociedade ao retrocesso, visto que a censura foi abolida com a Constituição Federal de 1988.

O novo despacho, embora acarrete críticas, foi essencial para tratar e regulamentar o caso apenas com restrições, como o aumento da faixa etária e o horário de transmissão, afastando assim o caráter de censura imposto inicialmente.

Por fim, é importante pontuar a necessidade de sempre verificar os reais contextos de dispositivos que tipifica crimes, para evitar um possível populismo penal irracional, verificado no filme analisado, e que acarretou ato de censura e uma certa cogitação de criminalizar pessoas que veio a participar do filme.

Gostou do conteúdo? Veja ainda Houve crime de Guerra na Ucrânia? em nosso blog.

Sobre o Autor

Vanessa da Silva Souza
Vanessa da Silva Souza

Redatora do Destrinchando o Direito. Acadêmica do 6º semestre do Curso de Direito. Estagiária do Tribunal de Justiça do Ceará. Ex Estagiária da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará. Membro do Grupo de Pesquisa das Ciências Criminais e Criminologia Contemporânea - Criminis.

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