A Mulher da Casa Abandonada: trabalho análogo à escravidão

a mulher da casa abandonada

O presente artigo tem como objetivo entender o que é trabalho análogo à escravidão. Já ouviu falar em escravidão contemporânea? O que o caso de Margarida e Renê Bonetti (a mulher da casa abandonada) tem a ver com esse assunto? Quais são os impactos da pandemia da COVID-19 em relação ao aumento do trabalho análogo ao escravo?

O que é trabalho análogo à escravidão?

O trabalho escravo, o direito de propriedade de uma pessoa sobre a outra, deixou de ser reconhecido formalmente no Brasil com o surgimento da Lei Áurea em 13 de maio de 1888. A escravidão contemporânea é um trabalho análogo ao modelo adotado durante o período monárquico e colonial, durante muito tempo o Estado reconheceu e apoiou a escravidão.

Logo, o trabalho análogo à escravidão é a exploração que um trabalhador é submetido, com condições desumanas pelo empregador. Exemplo de trabalhos mais propícios a essa analogia são em carvoarias, costuras, serviços agrícola, olarias e na exploração de cana-de-açúcar, em interiores de fazendas, cafezais, confecção têxtil, trabalho doméstico e demais serviços que extrapolam o tempo de serviço e muitas vezes não há remuneração referente ao trabalhado executado.

Ademais, o tráfico de pessoas que acreditam em propostas para morar em outros países com perspectiva de melhoria em sua vida financeira, mas, que em muitos casos são abusadas e postas diante de uma realidade diferente. Os casos expostos acontecem com adultos, crianças e adolescentes.

O que a Legislação Brasileira discorre sobre o trabalho análogo à Escravidão?

Após a Lei Áurea ainda restou vestígios de trabalhos análogos à escravidão, porque muitos desses escravos não tinham para onde ir e se mantiveram em seus serviços e outros formaram comunidades mais carentes em favelas. Atualmente, a legislação brasileira traz explícito no artigo 149 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Além disso, aplica-se essa mesma pena, segundo o parágrafo 1° do artigo 149 do Código Penal, a quem restringe qualquer meio de transporte do trabalhador e a quem mantem vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos e objetos do trabalhador com intuito de retê-lo no local de trabalho. A pena é aumentada de metade, se o crime for cometido: contra criança ou adolescente; por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

O caso de Margarida e Renê Bonetti à luz da Legislação Brasileira

O caso de Margarida e Renê Bonetti análogo à escravidão, aconteceu nos EUA. Renê mudou-se para os Estados Unidos a trabalho e levou Margarida, sua esposa, e uma empregada doméstica. Renê recebeu cidadania americana por ir trabalhar para o governo americano e Margarida e a empregada o visto para residirem no país legalmente. O casal passou 20 anos mantendo a funcionária em situações desumanas, além de ser privada de liberdade em um país que não dominava a língua, sem remuneração, os armários de alimentos fechados a cadeado, dormia no porão e ainda sofria maus tratos físicos. O caso foi descoberto por uma vizinha que denunciou o casal para FBI.  

Renê foi condenado a 6 anos nos Estados Unidos pelo crime, sem direito a liberdade condicional, pagou US$ 100 mil de multa ao Estado e, no mínimo, US$ 110 mil em salários devidos à vítima. Entretanto, Margarida no começo da investigação fugiu para o Brasil e evitou de ser indiciada. Desse modo, de acordo com a Constituição Federal em seu artigo 5°, LI, discorre que os brasileiros natos não podem ser extraditados, exceto nos casos previstos em lei:

Art 5°, LI – nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

Portanto, Margarida não poderia ser extraditada e nem sequer responder pelo crime no Brasil, pois havia prescrito quando obtiveram conhecimento do crime bárbaro. Contudo, caso fossem julgados pela Lei nº 13.344, que foi incluída em 2016, no artigo 149, inciso II do CP, em que fala do tráfico de pessoas, enquadraria esse caso:

Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

III – submetê-la a qualquer tipo de servidão; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência) Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

Em síntese, não há o que ser feito de acordo com legislação vigente em relação a Margarida, passará impune. Margarida também não será julgada nos Estados Unidos, pois ainda não foi encontrado investigação vinculada ao nome dela.

Quais os Impactos da Pandemia da COVID-19 na Escravidão Laboral?

Os impactos da pandemia de COVID-19 fizeram com que houvesse necessidade de uma maior atuação contra a escravidão laboral, devido à crise econômica aumentou a taxa de desemprego que submeteu aos trabalhadores a aceitarem serviços que os afastam de seus direitos trabalhistas por necessidade de sobrevivência.

Neste contexto, o agravamento devido as dificuldades operacionais, associadas à redução dos quadros de servidores sem reposição, juntamente com as deficiências estruturais relatadas pelos membros da Auditoria Fiscal do Trabalho de acordo com informações no banco de dados pelo Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil.

Contudo, tem previsão constitucional no artigo 21, inciso XXVI: “organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento de dados pessoais, nos termos da lei” supralegal, Convenção 81 da OIT e legal, artigo 628 da CLT, tem como finalidade exercer o poder de polícia em prol da defesa dos direitos fundamentais nas relações de trabalho.

Conclusão

Como exposto acima, pode-se observar que o trabalho escravo contemporâneo está mais próximo de nós do que imaginamos e que muitas vezes apoiamos algo que esteja torturando uma pessoa seja fisicamente ou psicologicamente, podendo causar até a morte, pois o corpo humano tem suas limitações.

Dito isso, é necessário apoiarmos o aumento de fiscalização, exigir do Estado leis mais severas para quem pratica tais atos, não retroagir os direitos que foram conquistados depois de séculos. Caso observe trabalhos semelhantes à escravidão, denuncie! Dique Direitos Humanos, por meio de ligação telefônica ao número 100.

Qual a sua opinião sobre o caso da mulher abandonada? Deixe nos comentários abaixo!

MAPAS MENTAIS OAB

Sobre o Autor

Tayanny Saraiva
Tayanny Saraiva

Acadêmica dos Cursos de Licenciatura em Português e Inglês - LETRAS (2019-2022). Acadêmica do Curso de Direito e membra ativa do Grupo de Estudos e Pesquisa em Direito Criminal e Criminologia Contemporânea (GCRIMINIS/UNICATÓLICA). Tutora na E.E.M.T.I. Governador César Cals de Oliveira Filho (3° ano do Ensino Médio em Língua Portuguesa).

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