Habeas Corpus: conceito, espécies e cabimento
A ação de habeas corpus surgiu na Inglaterra, mediante a Magna Carta inglesa, que foi outorgada pelo Rei João-sem-terra. Porém, no Brasil, esse instituto apareceu pela primeira vez no Código Criminal de 1830, e posteriormente, no Código Criminal de 1832, conquistando esse caráter fundamental com a Constituição Federal de 1891.
Note que na época não existiam outros remédios constitucionais capazes de proteger os demais direitos fundamentais, fazendo com que o habeas corpus possuísse uma ampla aplicação jurídica.
Essa teoria de aplicação ampla cessou com a reforma constitucional de 1926, no qual previu um novo remédio constitucional, conhecido como mandado de segurança. Mas, o assunto central desse post é a figura do habeas corpus, portanto, continue a leitura!
Disposição legal do Habeas Corpus
O art. 5°, LXVIII da CF/88 dispõe acerca do habeas corpus. Além disso, no âmbito infraconstitucional, este remédio pode ser encontrado no CPP, mais precisamente dos arts. 647 a 667, uma vez que não existem normas próprias e específicas sobre esse processo e julgamento.
Cabimento
Conforme o artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal de 1988, será possível requerer o habeas corpus sempre que alguém estiver enfrentando ou correndo o risco de enfrentar violência ou coação, afetando sua liberdade de locomoção devido a ilegalidade ou abuso de poder. Dessa maneira, entende-se que esse mecanismo busca garantir o direito à liberdade.
Essa liberdade deve ser interpretada de forma abrangente, incluindo qualquer ação das autoridades que possa de alguma forma restringir a liberdade de ir e vir. Um exemplo dessa situação seria a apresentação de um habeas corpus contra o início de uma investigação criminal ou até mesmo para o agendamento de um depoimento em uma comissão parlamentar de inquérito.
É fundamental destacar que, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), é cabível impetrar um habeas corpus contra uma decisão judicial que autorize a quebra de sigilo bancário e fiscal em um processo criminal.
No artigo 648 do Código de Processo Penal, estão listadas algumas situações que caracterizam coação ilegal ao direito de locomoção. No entanto, é importante frisar que este rol é apenas exemplificativo.
Vale lembrar que quando o habeas corpus é cabível, não se aplica o mandado de segurança. Contudo, isso não impede que, em determinadas situações de abuso de poder, as ações possam ser adaptadas conforme o princípio da cooperação.
Outro aspecto que merece destaque é o parágrafo 2º do artigo 142 da Constituição Federal de 1988, que indica a não aplicabilidade do habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.
É importante ressaltar que a impossibilidade de utilizar o habeas corpus nesses casos está relacionada apenas à análise do mérito do ato punitivo, conforme decisões reiteradas do STF.
Para o Supremo Tribunal, mesmo nas circunstâncias de punição mencionadas, é adequado recorrer ao remédio jurídico para avaliar a conformidade com as leis. Ao ratificar essa interpretação, de acordo com a visão doutrinária, o que deve ser excluído do escrutínio judicial é a avaliação sobre a pertinência ou conveniência (mérito) da sanção disciplinar aplicada, mas nunca a análise dos fundamentos legais (tais como a hierarquia, a natureza da pena, etc.).
É essencial lembrar que, conforme o princípio da inafastabilidade da jurisdição, o Poder Judiciário sempre possui a prerrogativa de realizar o denominado controle de legalidade sobre os atos, inclusive quando emanados do Poder Público.
Legitimidade ativa
O artigo 654 do Código de Processo Penal estabelece que o habeas corpus pode ser solicitado por qualquer indivíduo, em benefício próprio ou de outros, e também pelo Ministério Público. Assim, podem buscar esse recurso constitucional, por exemplo, estrangeiros (mesmo que em trânsito), pessoas absolutamente incapazes, analfabetos, entre outros.
Cuidado para não confundir impetrante com paciente!!!
Impetrante é o autor da ação, que busca provimento jurisdicional. No entanto, o paciente é aquele que se beneficia da medida, sendo naturalmente o principal interessado na concessão do habeas corpus.
A partir dessa observação, surge a indagação: é possível uma pessoa jurídica impetrar habeas corpus?
A resposta é afirmativa, desde que esse pedido seja em favor de um indivíduo (pessoa física). Em outras palavras, apesar de uma pessoa jurídica poder atuar como parte demandante nesse processo, ela não pode ser a destinatária do habeas corpus, visto que não possui o direito à liberdade. Esse raciocínio se aplica também ao Ministério Público e à Defensoria Pública.
Essas entidades têm a capacidade de apresentar a petição inicial, porém não podem ser beneficiárias do habeas corpus, pois não possuem a prerrogativa de locomoção.
Quando quem pede e o sujeito do habeas corpus não são a mesma pessoa, configura-se uma impetração em favor de terceiro (ou habeas corpus de terceiros), mesmo que seja contra a vontade desse terceiro. Isso se dá porque estamos diante de um direito indisponível do ser humano, que não pode ser cedido ou ao qual não se pode renunciar.
Ainda como decorrência dessa legitimidade universal, vale advertir que o habeas corpus é a única das ações constitucionais aqui estudadas que dispensa a figura do advogado (e, consequentemente, de procuração). Além disso, por força do art. 5º, LXXVII, da CF/88, ao lado do habeas data, trata-se de uma ação gratuita.
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Legitimidade passiva
Desempenhando o papel de parte contrária nessa relação jurídica processual, encontra-se a autoridade coatora. É relevante destacar que podem ser demandados nessa ação tanto autoridades públicas (delegado de polícia, magistrado, tribunal, integrante do Ministério Público etc.), quanto indivíduos privados (hospitais, clínicas psiquiátricas etc.).
Tutela preventiva no Habeas Corpus
Fato é que não restam dúvidas quando a admissibilidade da concessão liminar do remédio constitucional em tela. Os requisitos necessários para tal medida são os mesmos intrínsecos às medidas cautelares, ou seja, fumus boni iuris e o periculum in mora.
No primeiro caso (fumaça do bom direito), entende-se que acerca do juízo de probabilidade ou veracidade quanto a uma decisão favorável. Por outro lado, o “perigo da demora” reflete um risco de dano grave, que, no caso do habeas corpus, está a todo momento presente.
Espécies
O habeas corpus possui, basicamente, três espécies, quais sejam: preventivo, repressivo e de ofício. Vamos ao estudo de cada uma delas!
1. Preventivo
Trata-se do habeas corpus que busca proteger todo aquele que se acha ameaçado de sofrer coação ou violência no âmbito de sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
A finalidade desta ação será evitar a consumação de uma restrição ao direito de liberdade, beleza?
2. Repressivo ou liberatório
O habeas corpus repressivo, também conhecido como liberatório, possui a finalidade de sanar lesão consumada ao direito de liberdade. Ou seja, o foco é reparar um dano causado ao direito fundamental de ir e vir. Nesta situação, o lesado irá pleitear um alvará de soltura.
3. Ofício?
Por último, mas não menos importante, temos o habeas corpus de ofício. Estamos diante de uma exceção ao princípio da inércia do poder judicial, visto que, a autoridade judiciária conceder o habeas corpus se tiver conhecimento de uma prisão ilegal (ou ameaça), seja arbitrária ou mediante abuso de poder.
Seguindo a linha de raciocínio, o art. 654, §2° do CPP, reconhece esta competência dos juízes e tribunais para agir de ofício na concessão do remédio constitucional, desde que verificados os requisitos legais.
Quem julga o Habeas Corpus?
A norma estebelece que a autoridade encarregada de julgar o habeas corpus deve sempre estar em um nível superior àquela que emitiu a ordem ilegal.
Caso a prisão ilegal tenha sido determinada por um juiz de primeira instância, a competência para julgamento será do respectivo Tribunal, seja ele Estadual, Federal ou Especializado, de acordo com sua posição hierárquica.
Se a decisão partir de um dos membros do Tribunal, a instância competente para julgá-lo será um Tribunal Superior, podendo ser o Superior Tribunal de Justiça, o Superior Tribunal Militar ou o Tribunal Superior Eleitoral.
Por fim, quando um Tribunal Superior for responsável pelo ato, a competência para julgamento recairá sobre o Supremo Tribunal Federal.
Quando não é cabível o habeas corpus?
Há várias situações em que o remédio constitucional em análise não é aplicável. Segundo entendimentos judiciais, o habeas corpus não é admitido nos casos a seguir:
- Quando a pena privativa de liberdade foi cumprida;
- Com o propósito de contestar uma decisão do Supremo Tribunal Federal;
- Diante de decisões condenatórias resultantes em pena de multa;
- Para questionar a suspensão dos direitos políticos;
- No caso de direito a visitas íntimas;
- Sobre o mérito das sanções disciplinares militares;
- Contra a aplicação da pena de exclusão de militar ou perda de patente ou função pública;
- Contestando a determinação de perda da função pública como efeito secundário da pena;
- Originado para o Tribunal Pleno a partir de uma decisão de Turma ou do Plenário em habeas corpus ou no respectivo recurso;
- Para impugnar pena em processo administrativo disciplinar;
- Buscando a restituição de bens apreendidos, incluindo o passaporte;
- Contestando a quebra de sigilo bancário, fiscal ou telefônico, quando não implicar em condenação à pena privativa de liberdade.
Dúvidas frequentes (FAQ)
Trata-se de um remédio constitucional, previsto no art. 5º, LXVIII, da CF/88, que visa garantir o direito à liberdade para o indivíduo que sofreu prisão ilegal ou ameaça de prisão em face de atos ilegais ou abuso de poder.
Atualmente, o habeas corpus pode ser dividido em preventivo e repressivo. O primeiro está relacionado com uma ameaça ilegal a liberdade de um indivíduo e o outro (repressivo) voltado para quando tal prisão ilegal foi decretada.
Qualquer pessoa pode se utilizar deste remédio constitucional, seja em nome próprio ou em nome de terceiros.
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