Estado de necessidade: resumo completo
O estado de necessidade possui disposição legal no artigo 24 do Código Penal: “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”.
Continue a leitura para um resumo completo sobre o tema. Bons estudos!!!
O que é estado de necessidade?
Antes de mais nada, é extremamente importante entender que a situação de necessidade pressupõe a existência de um perigo atual (art. 24 do CP). De certa forma, esse perigo coloca em risco dois ou mais interesses legítimos que não podem ser salvos.
Um desses interesses irá perecer em relação aos outros. O exemplo mais prático é de um naufrágio. Duas pessoas estão obrigadas a dividir um pedaço de madeira que somente suporta o peso de uma delas em alto mar.
Essa situação autoriza uma pessoa a matar a outras (conflitos de interesses legítimos – vida), mas claro, se for a última saída para salvar sua própria vida.
Teorias acerca do estado de necessidade
Basicamente temos duas teorias acerca do estado de necessidade: diferenciadora e unitária. A primeira deixa claro que se o bem salvo for mais importante que o sacrifício realizado, exclui-se a ilicitude (estado de necessidade justificante). É o caso, por exemplo, de uma pessoa que salva uma vida mas acaba danificando o patrimônio alheio.
Por outro lado, caso os bens em conflitos sejam equivalentes, ou seja, salvar a própria vida em face da vida de outrem, estamos diante de um estado de necessidade exculpante, no qual é afastado a culpabilidade.
A teoria unitária (adotada pelo nosso Código Penal), esclarece que em quaisquer dos casos acima citados, haverá a exclusão da ilicitude.
Faculdade ou direito?
A doutrina tradicional via o estado de necessidade como uma faculdade do agente e não como um direito. Era argumentado que no estado de necessidade existia um conflito entre dois ou mais bens ou interesses legítimos, sendo todos amparados/protegidos pelo direito.
Diante do risco, para o titular salvar seu bem, acaba ofendendo o bem de terceiro, no qual não possui obrigação de permitir o perecimento de seu bem, pois também é de seu legítimo interesse.
Como ninguém está obrigado a deixar seu bem sofrer lesão e todo direito equivale a uma obrigação, estamos diante de uma faculdade legal e não de um direito para a doutrina tradicional.
Por outro lado, a doutrina moderna afirma que o sujeito tem direito de agir em estado de necessidade. Ora, o sujeito passivo dessa relação jurídica não é o titular do bem que acabou perecendo, mas sim o Estado, que deve reconhecer a licitude da conduta.
Requisitos para o estado de necessidade
Existem requisitos vinculados à situação de necessidade que acarreta a excludente, e outros relacionados à reação do agente.
No primeiro caso (situação de necessidade) temos:
- Existência de perigo atual
- Perigo que ameace direito próprio ou alheio
- Conhecimento da situação justificante
- Não provocação voluntária da situação
No caso da reação do agente, temos:
- Inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado (proporcionalidade)
- Inevitabilidade do perigo
- Inexistência do dever legal de enfrentar o perigo
Vamos a explicação detalhada de cada um dos requisitos acima mencionados!
Requisitos vinculados à situação de necessidade
1. Perigo atual
Perigo está relacionado à chance de acontecer um prejuízo ou lesão a um objeto que possui proteção legal. Deve ser uma possibilidade tangível, levando em consideração a situação em que o agente se encontrava imediatamente antes de agir em estado de necessidade.
Caso o risco não fosse real, mas tenha surgido da imaginação do indivíduo, não ocorreu o estado de necessidade efetivo (conforme o artigo 24 do Código Penal), no entanto, pode-se considerar a existência do estado de necessidade presumido (conforme o artigo 20, parágrafo 1º do Código Penal).
Deve-se ter em conta, ademais, a necessidade de se avaliar o perigo com um certo grau de flexibilidade, posto que uma pessoa, em situação de necessidade, não possui (como regra) ânimo calmo e refletido para dimensionar a efetiva gravidade do mal que está por vir.
O nosso Código exige também que o perigo seja atual, ou seja, presente. Portanto, não se admite a justificativa de estado de necessidade quando o perigo já passou (pois sem perigo não há necessidade de reação) ou quando ainda não se concretizou, sendo apenas suposições.
A atualidade do perigo deve ser avaliada pela necessidade de uma pronta reação para defender o bem ameaçado. Por fim, é importante ressaltar que, embora a lei mencione apenas a defesa do bem diante de um perigo atual, o estado de necessidade pode ser admitido quando o perigo é iminente (analogia in bonam partem).
2. Ameaça a direito próprio ou alheio
Atua em estado de necessidade não apenas aquele que protege o próprio direito, mas também aquele que defende o direito de terceiros (por exemplo: um médico que viola o sigilo profissional ao revelar que um paciente é portador do vírus HIV para salvar outra pessoa que poderia ser infectada).
Além disso, a justificativa de estado de necessidade se aplica a qualquer direito em jogo. Se o interesse estiver protegido pelo sistema legal, poderá ser preservado diante de uma situação de necessidade.
3. Conhecimento da situação justificante
É imprescindível que o indivíduo esteja plenamente ciente da existência do perigo e aja com o objetivo de preservar o seu próprio direito ou o direito de outrem. Por esse motivo, um médico que realiza um aborto por dinheiro não age em estado de necessidade, mesmo que posteriormente seja constatada a existência de um risco iminente para a vida da gestante.
4. Perigo não provocado voluntariamente pelo sujeito
Aquele que é responsável por criar o perigo não pode se beneficiar da justificativa de estado de necessidade, a menos que tenha gerado o perigo de forma involuntária. Em outras palavras, quem voluntariamente provoca o perigo não poderá alegar estado de necessidade. Provocar voluntariamente significa provocar intencionalmente.
Portanto, se o agente causar o perigo de forma negligente, ele pode ser beneficiado pela justificativa de estado de necessidade. Há diferentes interpretações sobre o assunto, equiparando a provocação voluntária tanto à intencional quanto à negligente.
Argumenta-se que o provocador do perigo teria sempre o dever jurídico de evitar o resultado (ou seja, preservar o bem alheio em detrimento do seu próprio), independentemente de ter agido com intenção ou negligência, com base no artigo 13, parágrafo 2º, alínea c, do Código Penal.
No entanto, esse dispositivo não se aplica ao estado de necessidade devido ao princípio da especialidade. Isso ocorre porque o artigo 24, parágrafo 1º, do Código Penal estabelece que apenas aqueles que têm o dever legal de enfrentar o perigo não podem alegar estado de necessidade (situação descrita no artigo 13, parágrafo 2º, alínea a, do Código Penal).
Portanto, das pessoas mencionadas no artigo 13, parágrafo 2º, apenas aquelas mencionadas na alínea a não podem agir amparadas pela justificativa de estado de necessidade, enquanto as demais (letras b e c) podem.
Requisitos ligados à reação do agente
1. Inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado
Na circunstância específica, é necessário realizar uma avaliação comparativa entre o bem preservado e o bem renunciado (ponderação de valores). O estado de necessidade ocorrerá quando o primeiro for mais importante do que o segundo, ou quando ambos forem equivalentes (por exemplo: prejudicar a propriedade de outra pessoa para salvar uma vida ou matar para preservar a própria vida).
É óbvio que essa comparação não pode ser realizada com base em um critério extremamente preciso. Se o bem preservado for menos importante do que o sacrificado, não estaremos diante de um estado de necessidade (por exemplo: para evitar que um navio afunda, o capitão ordena que a tripulação se jogue ao mar).
No entanto, nesse caso, deve-se aplicar o parágrafo segundo do artigo 24 (que é uma causa obrigatória de redução de pena, variando de um a dois terços).
2. Inevitabilidade do perigo
Caso seja possível resolver o conflito entre os bens de uma forma diferente, como pedindo ajuda a uma terceira pessoa ou fugindo do local perigoso, o fato não será considerado justificado, pois a ação prejudicial deve ser o único meio de salvar o bem do perigo.
O legislador estabelece explicitamente que a exclusão de responsabilidade está condicionada a uma situação em que o perigo não pode ser evitado de outra maneira. A cautela do Código é justificada, afinal, no estado de necessidade, é concedido à pessoa o direito de causar danos a bens jurídicos de terceiros, afastando a natureza criminosa do ato.
Portanto, é necessário que a medida extrema seja absolutamente necessária, não havendo alternativa menos prejudicial ao alcance do sujeito.
3. Inexistência de dever legal de arrostar o perigo (art. 24, § 1º)
Aqueles que possuem a obrigação legal de enfrentar uma situação perigosa não podem alegar estado de necessidade. Isso se aplica a certas funções ou profissões, como bombeiros, policiais, entre outros.
Dessa forma, o bombeiro não pode se recusar a salvar uma pessoa em um prédio em chamas sob o argumento de que corre o risco de se queimar.
É claro que não se espera atos heróicos (por exemplo, o bombeiro entrar em uma casa completamente em chamas para salvar algum objeto valioso, sendo improvável que ele sobreviva, apesar de todo o seu treinamento).
Classificação do estado de necessidade
O estado de necessidade é classificado em:
- a) estado de necessidade defensivo: a conduta do sujeito que age em necessidade se volta contra a coisa que causou o perigo (exemplo: um náufrago disputa a tábua de salvação com outro, que é o responsável pelo afundamento do navio). Nesse caso, afasta-se até a obrigação de reparar o dano causado pelo crime (a sentença penal que o reconhecer impedirá eventual ação civil ex delicto);
- b) estado de necessidade agressivo: a conduta realizada em estado de necessidade reflete em outras coisa, que é diversa daquela que deu origem ao perigo, ou a terceiro inocente. (exemplo: um náufrago disputa a tábua de salvação com outro, sendo que ambos não tiveram nenhuma responsabilidade no tocante ao afundamento do navio). A distinção acima não tem relevância para o Direito Penal (ambos excluem a ilicitude), mas repercute na órbita cível. Portanto, o sujeito que age em estado de necessidade agressivo deverá reparar o dano causado ao terceiro inocente pela sua conduta, tendo direito de regresso contra o causador do perigo.
- c) estado de necessidade justificante: afasta a ilicitude da conduta;
- d) estado de necessidade exculpante: exclui a culpabilidade do agente (não foi adotado pelo Código Penal), pois como dito anteriormente, sempre que presente a excludente de ilicitude em estudo, aplica-se a exclusão da antijuridicidade;
- e) estado de necessidade próprio: salvar bem próprio;
- f) estado de necessidade de terceiro: salver bem alheio;
- g) estado de necessidade real: é aquele definido no artigo 24 do CP;
- h) estado de necessidade putativo: é aquele imaginário (afasta o dolo – CP, art. 20, § 1º, ou a culpabilidade – CP, art. 21, conforme o caso).
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Referência utilizada
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1° ao 120. 11 ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022.
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