exercicio regular do direito e estrito cumprimento do dever legal

Exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal

O exercício regular de um direito e o estrito cumprimento de um dever legal constituem excludentes de ilicitude “em branco”. Trata-se de um fenômeno similar ao que ocorre nas já estudadas “leis penais em branco” em que o conteúdo definitivo da norma depende de outra norma jurídica, da mesma hierarquia ou de uma hierarquia inferior. Isto porque o complemento destas excludentes decorre de normas extrapenais

Assim, por exemplo, o possuidor de um bem imóvel, turbado ou esbulhado em sua posse, tem direito assegurado pela legislação civil de, com sua “própria força”, praticar atos tendentes a se manter ou se reintegrar na posse do bem. A atitude de quem procede dessa maneira não será considerada criminosa, por força do art. 23, III, do CP, combinado com o art. 1.210 do CC. 

Nesse sentido, o policial que cumpre um mandado de prisão e, para isso, emprega força física, na medida do necessário para conter o agente, encontra-se no estrito cumprimento de um dever legal (artigo 23, inciso III do CP cumulado com artigo 292 do CPP)

Exercício regular do direito

Todo aquele que exerce um direito assegurado por lei não pratica ato ilícito. Quando o ordenamento jurídico, por meio de qualquer de seus ramos, autoriza determinada conduta, entendemos como exercício regular do direito (artigo 23, III do CP)

Tal excludente de ilicitude (do mesmo modo que o estrito cumprimento de um dever legal) resulta na harmonização do Direito Penal com os outros ramos jurídicos. Afinal, haveria absurda incoerência se um ato fosse considerado lícito para o Direito Civil e ao mesmo tempo ilícito para o Direito Penal.

Lembrando que somente alcança os atos exercidos dentro da esfera permitida. Ou seja, aquele agente que realiza um direito, mas de modo irregular, ultrapassa os limites do permitido, cometendo abuso de direito e respondendo por excesso, seja doloso ou culposo (não se podendo excluir a possibilidade do excesso exculpante).

Exemplos: exercício regular do direito

O proprietário de um imóvel se vê diante da iminência de ver sua posse esbulhada. Buscando afastar os invasores, efetua disparos de arma de fogo, ferindo um deles mortalmente. 

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Nesse caso, houve excesso (desnecessária intensificação de uma conduta inicialmente legítima). Porém, não se pode esquecer que o Código Civil (artigo 1210, parágrafo 1°), ao regular o desforço imediato na defesa da posse, dispõe que: “os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”.

Importante destacar que a excludente pode ser fundada não só em normas jurídicas, mas também nos costumes, como ocorre no caso dos conhecidos trotes acadêmicos. Óbvio que os trotes, em caso de excessos, constituirão crime. 

Os exemplos mais comuns de incidência da excludente em em questão além da mencionada são:

  • Intervenção médico-cirúrgica (o médico deverá colher o consentimento do paciente, ou de seu representante, se menor, somente podendo realizar a cirurgia independentemente de autorização do paciente nos casos de estado de necessidade);
  • Violência desportiva (desde que regulamentado e a lesão ocorra de acordo com as regras);
  • Flagrante facultativo (qualquer do povo pode prender quem esteja em situação de flagrante delito).

Imputação objetiva

Importante mencionar ainda que, segundo a teoria da imputação objetiva, o exercício regular de um direito deixa de existir como excludente de ilicitude, sendo suas hipóteses tratadas no âmbito do fato típico, como afastadoras da relação de imputação objetiva, tendo em vista que o risco criado pelo agente nesses casos seria um risco permitido.

Estrito cumprimento do dever legal

São várias as vezes que a própria lei obriga agente público a realizar determinadas condutas, impondo certos poderes para praticar fatos típicos para executar ato legal. 

O cumprimento do dever legal irá excluir a ilicitude da conduta caso siga os seguintes requisitos:

  • Existência prévia de um dever legal: este dever pode originar, inclusive, de um ato administrativo (genérico). Caso seja específico o conteúdo deste ato, falamos em obediência hierárquica
  • Atitude pautada pelos estritos limites do dever.
  • Em regra, conduta de agente público: de forma excepcional, pode ser do particular, como no caso do dever dos pais quanto à guarda, vigilância e educação dos filhos. Outros exemplos de atos lesivos que são permitidos por lei e se enquadram na excludente em questão, são: violência para executar mandado de prisão (artigo 292 do CPP), execução de mandado de busca e apreensão e arrombamento (artigo 293 do CPP), oficial de justiça que executa ordem de despejo e soldado que fuzila condenado por crime militar em tempo de guerra, cuja sanção é a pena de morte. 

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Referência

ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1° ao 120. 11 ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022.

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