Legítima defesa: resumo completo
A legítima defesa possui previsão legal no artigo 25 do Código Penal, dispondo: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
Continue a leitura desse post para um resumo completo sobre o tema!
O que é legítima defesa?
Estamos diante de um dos conceitos mais estudados no direito penal. Tem como base teórica o instituto da sobrevivência, atrelada ao crime de homicídio (matar para não morrer).
Assim, por exemplo, durante o período das Ordenações Filipinas (1603-1830), a legítima defesa estava incluída no Capítulo XXXV, que tratava do crime de assassinato e de agressão física. O antigo documento estabelecia que o assassino seria condenado à morte, exceto se estivesse agindo em sua “defesa necessária”.
É interessante ressaltar que a lei também punia o excesso, determinando que “não haverá qualquer pena, a menos que tenha excedido os limites da autodefesa, pois nesse caso será punido de acordo com a gravidade do excesso”.
Atualmente, é amplamente reconhecida a possibilidade de agir em legítima defesa para proteger qualquer direito, não se limitando apenas à vida ou à integridade física.
Requisitos
Podemos resumir da seguinte forma:
- ocorrência de uma agressão;
- agressão atual ou prestes a ocorrer;
- injustiça da agressão;
- defesa de um direito próprio ou alheio;
- consciência da situação que justifica a defesa (intenção de se proteger);
- utilização dos meios necessários para repelir a agressão;
- utilização moderada desses meios.
1. Agressão
Refere-se a um ato de ataque, ou seja, uma ação humana que prejudica ou coloca em perigo bens jurídicos protegidos. A simples provocação não justifica a legítima defesa. Se alguém reagir a uma provocação por parte da vítima, o agente será responsabilizado pelo crime, podendo ser considerada uma circunstância atenuante genérica (Código Penal, art. 65, III, b) ou um privilégio, como no caso de homicídio (Código Penal, art. 121, § 1º).
A agressão requer uma conduta humana. Em caso de ataque animal, aplica-se o estado de necessidade, a menos que alguém provoque intencionalmente o animal para usá-lo como instrumento de ataque contra um ser humano.
É importante observar que a agressão pode ser ativa ou omissiva. Portanto, se um carcereiro mantiver um prisioneiro por mais tempo do que a lei permite, deixando de libertá-lo, a legítima defesa poderá ser utilizada para proteger o direito de locomoção.
Uma questão importante diz respeito às agressões insignificantes, como por exemplo, quando alguém tenta subtrair uma pequena quantia em dinheiro sem violência ou grave ameaça, e a vítima reage ao furto disparando tiros fatais em direção ao agente. Há consenso doutrinário de que, quando há uma clara desproporção entre o bem protegido e o sacrificado, a excludente de ilicitude não deve ser reconhecida.
Acreditamos que tais situações devem ser resolvidas aplicando o conceito de excesso extensivo, responsabilizando o agente pelo resultado produzido (como morte ou lesões corporais graves, por exemplo), nos termos do art. 23, parágrafo único, do Código Penal.
2. Atualidade ou iminência
A agressão atual é aquela que está em andamento, em progresso, ocorrendo no momento presente. Por exemplo, quando alguém saca uma arma e reage a um assaltante que acabou de anunciar o roubo. A agressão iminente refere-se àquela que está prestes a acontecer (um exemplo seria quando alguém saca uma arma assim que percebe que seu rival, com quem está discutindo, está prestes a sacar a sua arma).
Não é permitido alegar legítima defesa por medo de ser agredido, muito menos revidar uma agressão que ocorreu no passado. Quando alguém reage a uma agressão passada, está buscando vingança, o que é considerado um motivo fútil ou torpe e resulta em punição mais severa. Se a agressão for futura, o agente também comete um crime, pois está fazendo justiça com as próprias mãos.
3. Injustiça da agressão
A agressão injusta refere-se à conduta ilícita que vai contra o direito. Essa injustiça deve ser avaliada de forma objetiva, ou seja, não importa se o agressor tinha conhecimento ou não da injustiça de seu comportamento. Se a conduta for ilícita, é permitida a defesa necessária contra ela.
Por exemplo, uma pessoa agirá em legítima defesa se agredir alguém para evitar ser vítima de um crime. No entanto, o proprietário de um bem que tenta recuperá-lo à força do locatário, sem ressarcimento devido à rescisão antecipada do contrato, não estará amparado pela excludente, pois o Código Civil assegura o direito de retenção ao locatário, tornando sua conduta lícita (Art. 571, parágrafo único).
Para exemplificar agressões justas temos o cumprimento de mandados de prisão ou prisão em flagrante (conforme os artigos 284 e 292 do CPP), defesa da posse, violência em eventos esportivos e penhora judicial. Nestes casos, quem reagir não estará agindo em legítima defesa.
4. O direito defendido
Como explicado anteriormente, qualquer direito pode ser protegido por meio da excludente de legítima defesa: vida, liberdade, honra, integridade física, patrimônio, entre outros.
Age em legítima defesa aquele que defende seu próprio direito (legítima defesa própria) ou o direito de outra pessoa (legítima defesa de terceiro). Portanto, se alguém domina um ladrão enquanto ele está assaltando outra pessoa, está agindo em legítima defesa de terceiro.
Se o faz para evitar ser assaltado, está agindo em legítima defesa própria. No entanto, caso haja uma desproporção entre o direito defendido e o dano causado ao bem jurídico, pode ocorrer um excesso (extensivo).
5. Elemento subjetivo – conhecimento da situação justificante
É um requisito essencial (implícito) para que a excludente exista. O agente deve ter pleno conhecimento da situação que justifica sua conduta a fim de ser beneficiado por ela. “A legítima defesa deve ser objetivamente necessária e subjetivamente orientada pela vontade de se defender”. Vamos imaginar a seguinte situação e questionar se houve legítima defesa ou não:
João pretende se vingar de seu inimigo José e passa a andar armado. Em certo dia, avista José, porém só consegue enxergar a cabeça dele, pois José está atrás de um muro alto.
João não sabe o que está acontecendo do outro lado do muro. Como seu objetivo era matar seu adversário, João saca sua arma e dispara fatalmente na cabeça de José. Posteriormente, é descoberto que do outro lado do muro, José também estava armado e prestes a matar injustamente Paulo. Além disso, verifica-se que o tiro disparado por João salvou a vida de Paulo.
Então, João deve ser condenado ou não? Agiu em legítima defesa de terceiro? A resposta é NÃO, pois somente age em legítima defesa (e isso também se aplica a outras circunstâncias excludentes de ilicitude) aquele que tem conhecimento da situação justificante e age com a intenção de se defender ou defender terceiros.
6. Meios necessários
É o recurso menos prejudicial disponível para o agente, mas capaz de repelir a agressão. Se houver mais de um meio disponível para evitar o ataque ao alcance do sujeito, ele deve escolher o menos agressivo.
É evidente que essa ponderação, que é fácil de ser feita com calma e reflexão, pode ser comprometida no caso concreto quando o indivíduo que se defende está totalmente envolvido emocionalmente na situação.
Por isso, de forma unânime, afirma-se que a necessidade dos meios (assim como a moderação, que será discutida a seguir) não pode ser avaliada com um critério rigoroso, mas sim levando em consideração a intensidade dos eventos. Portanto, por exemplo, a diferença de porte físico pode justificar, dependendo do caso, o uso de agressão com arma.
7. Moderação
Não é suficiente apenas usar os meios necessários; é necessário que esses meios sejam utilizados de forma moderada. Isso significa que a reação deve ser proporcional, ou seja, deve ser realizada na medida necessária e suficiente para repelir o ataque.
Como mencionado anteriormente, a moderação no uso dos meios necessários deve ser avaliada considerando as circunstâncias específicas do caso. Não se pode aplicar um critério estritamente matemático.
O que é commodus discessus?
De modo simples, é a fuga do local buscando evitar a agressão que causaria legítima defesa. Nosso Código Penal não exige que a agressão causadora da legítima defesa seja inevitável, não ficando o agente obrigado a procurar a fuga do local em vez de repelir tal agressão injusta.
Em outros dizeres, mesmo que o sujeito tenha condições de sair do local de forma ilesa, evitando agressões, agirá em legítima defesa se optar pela permanência e consequente repressão da agressão injusta, desde que faça de forma moderada e utilize os meios necessários.
Excesso
Trata-se da intensificação desnecessária de uma conduta que inicialmente era legítima. Prevalece na doutrina a compreensão de que o excesso ocorre tanto pelo uso de meios desnecessários quanto pela falta de moderação. Existem duas formas de excesso:
- Intencional, consciente ou voluntário, quando o agente está plenamente ciente de que a agressão cessou e, mesmo assim, continua a reagir com o objetivo de prejudicar o agressor. Nesse caso, o agente será responsabilizado pelo resultado excessivo com base na intenção deliberada (chamado de “excesso doloso”).
- Não intencional, inconsciente ou involuntário, ocorre quando a pessoa, devido a um erro na avaliação da situação factual, supõe que a agressão ainda está ocorrendo e, portanto, continua a reagir sem perceber o excesso que está cometendo.
Se o erro cometido for evitável (ou seja, uma pessoa de prudência e discernimento moderados não cometeria o mesmo equívoco na mesma situação), o agente será responsabilizado pelo resultado com base na negligência, caso a lei preveja a forma culposa (“excesso culposo”).
No entanto, se o erro for inevitável (qualquer pessoa cometeria o mesmo erro na mesma situação), a pessoa não será responsabilizada pelo resultado excessivo, afastando-se a intenção deliberada e a culpa (“excesso exculpante” ou “legítima defesa subjetiva”).
Classificação
A legítima defesa pode ser classificada da seguinte forma:
- Legítima defesa recíproca: ocorre quando há uma legítima defesa contra outra legítima defesa (inadmissível, a menos que uma delas ou ambas sejam supostas).
- Legítima defesa sucessiva: refere-se à reação contra o excesso cometido.
- Legítima defesa real: é aquela que exclui a ilicitude.
- Legítima defesa putativa: é uma forma imaginária, tratando-se de uma modalidade de erro (Código Penal, artigos 20, § 1º, ou 21).
- Legítima defesa própria: ocorre quando o agente defende seu próprio direito.
- Legítima defesa de terceiro: ocorre quando o indivíduo defende o direito de outra pessoa.
- Legítima defesa subjetiva: ocorre quando há um excesso exculpante resultante de um erro inevitável.
- Legítima defesa com erro na execução ou “aberratio ictus”: quando o sujeito, ao repelir uma agressão injusta, comete um erro na execução e atinge uma pessoa diferente daquela que o agrediu.
- Legítima defesa geral: é aquela prevista no artigo 25 do Código Penal, na qual o reconhecimento ocorre quando o sujeito, com o propósito de defesa, repele uma agressão injusta, atual ou iminente, a seu próprio direito ou ao direito alheio.
- Legítima defesa especial: trata-se da legítima defesa estabelecida no parágrafo único do dispositivo, adicionado pela Lei nº 13.964/2019 (Lei Anticrime), que ocorre quando um agente de segurança pública repele a agressão ou o risco de agressão à vítima mantida como refém durante a prática de crimes.
Diferenças entre legítima defesa e estado de necessidade
- Legítima defesa pressupõe uma agressão enquanto que o estado de necessidade pressupõe perigo;
- No estado de necessidade temos duas pessoas com razão (ambos os interesses são legítimos), na legítima defesa apenas uma está com a razão.
- Pode acontecer legítima defesa quando a agressão for evitável, porém, só existe estado de necessidade quando o perigo for inevitável;
- Não existe legítima defesa contra ataque de animal (exceto quando ele for instrumento de agressão humana), mas existe estado de necessidade nesses casos.
Legítima defesa da honra?
Quando falamos na legítima defesa da honra, lembramos geralmente da conduta de um marido traído, que pela “honra” do seu nome, decide matar sua esposa infiel como forma de vingança.
Antigamente, essa conduta era considerada lícita (matar em face de adultério como forma de vingança). Porém, com a evolução da sociedade e o decorrer do tempo, essa atitude passou a ser tipificada em lei como ilícita. Os tribunais não admitem mais essa argumentação para buscar a absolvição do réu.
Se em determinado júri popular, o conselho de sentença decidir pela absolvição do réu com base nesta tese, a acusação poderá apelar demonstrando que a decisão foi manifestamente contrária à prova dos autos (art.593, III, alínea d, CPP). Nesse caso, a instância superior determinará a anulação do julgamento, devendo ser realizado outro.
Na mesma linha de raciocínio, o STF (liminarmente), reconheceu nos autos da ADPF n° 779, a inconstitucionalidade desta tese, no qual contraria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, proteção à vida e igualdade de gênero.
Desse modo, exclui a legítima defesa da honra, vedando a defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo empregarem, de forma direta ou indireta, o induzimento desta tese em qualquer fase da persecução penal, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.
Legítima defesa especial
Essa figura foi estabelecida pela Lei nº 13.964/2019 (Lei Anticrime). De acordo com o parágrafo único do artigo 25 do Código Penal, “considera-se em legítima defesa, desde que preenchidos os requisitos gerais da excludente, o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão à vítima mantida refém durante a prática de crimes”.
Poderia-se argumentar que essa disposição é desnecessária, uma vez que o reconhecimento da legítima defesa estaria vinculado ao cumprimento dos requisitos do caput. No entanto, a legítima defesa especial (parágrafo único) difere da legítima defesa geral (caput) em três aspectos:
- o sujeito ativo;
- o titular do bem jurídico protegido e;
- o aspecto temporal.
1. Sujeito ativo
Enquanto a legítima defesa geral pode ser exercida por qualquer pessoa, a legítima defesa especial está restrita ao agente de segurança pública.
Isso significa que somente os servidores públicos que fazem parte dos quadros da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícia Civil, Polícia Penal, Guarda Municipal e Força Nacional de Segurança Pública podem utilizar a legítima defesa especial como meio de defesa.
2. Titular do bem jurídico protegido
A legítima defesa especial somente pode ser utilizada para proteger um terceiro, vítima de crime, que esteja sendo mantido como refém, ou seja, que tenha sua liberdade de movimento de alguma forma restrita.
3. Aspecto temporal
Além disso, enquanto a legítima defesa geral requer uma agressão atual (presente, imediata, em andamento) ou iminente (prestes a ocorrer), a legítima defesa especial pode ocorrer mesmo diante de um risco de agressão.
Em outras palavras, ela é aplicável quando há a constatação de um perigo de lesão à vítima mantida refém em um futuro próximo, com base nas circunstâncias concretas. O termo “risco de agressão” abrange um espectro temporal mais amplo do que “agressão iminente”.
Isso se assemelha ao conceito de “perigo atual” mencionado no artigo 24 do Código Penal, no contexto da justificativa do estado de necessidade. Podemos citar alguns exemplos para ilustrar. Suponha que um ex-marido, insatisfeito com a recusa da ex-esposa em retomar o relacionamento, entre na propriedade e a mantenha como refém; nesse caso, o policial pode repelir o risco de agressão, se necessário, neutralizando o sequestrador.
Imagine também uma situação em que um indivíduo mantenha passageiros de um ônibus sob ameaça de arma de fogo, ameaçando incendiar o veículo com as pessoas dentro; a polícia, após avaliar a situação, tem permissão para intervir, reagindo contra o autor do crime.
O agente de segurança pública, embora autorizado a repelir a agressão ou o risco de agressão à vítima mantida refém, não está isento de agir com moderação, utilizando apenas os meios necessários, sob pena de cometer um excesso punível. A avaliação do excesso deve ser feita com base no cenário ex ante, ou seja, considerando os dados objetivos disponíveis para o agente de segurança pública no momento de sua reação, e não ex post, ou seja, após o término da ação policial, quando todas as variáveis ficam evidentes.
Esse conteúdo foi útil? Leia também: Estado de necessidade: resumo completo
Referência utilizada
- ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1° ao 120. 11 ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022.
3 Comentários