Lesão Corporal – Tudo sobre o artigo 129 do Código Penal!
O crime de lesão corporal nada mais é do que todo e qualquer dano produzido por alguém, com animus de somente lesionar a integridade física ou a saúde de outrem.
Esse crime está tipificado no artigo 129 do nosso Código Penal, no qual iremos destrinchar no decorrer desse artigo, Vamos nessa?
Conceitos iniciais
A lei criminaliza a ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem. Ou seja, essa proteção abrange qualquer dano do ponto de vista anatômico, fisiológico ou psíquico, praticado sem a intenção de matar, podendo essas lesões serem de forma culposa ou dolosa.
Para a tipificar da conduta é necessário a produção de dano no corpo da vítima, sendo esse dano interno ou externo, como também alterações psíquicas. Importante destacar a questão da dor, na qual, por si só, não se caracteriza lesão corporal, assim como o chamado eritema (que nada mais é que uma vermelhidão decorrente da vasodilatação dos capilares sanguíneos, após um “tapa” por exemplo), no qual também não se caracteriza como crime.
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Lesão corporal leve e culposa
As lesões corporais de natureza leve e as culposas (art. 129, caput, e § 6º do CP) são crimes de ação penal pública condicionada à representação como presente no artigo 88 da Lei nº 9.099/95. Assim, tem-se o prazo decadencial de 6 (seis) meses, contando desde o conhecimento da autoria delitiva, para se promover a representação, que é uma condição de procedibilidade da ação penal. Os demais tipos de lesão corporal são processados mediante ação penal pública incondicionada.
As lesões leves do artigo 129, caput, são obtidas por exclusão, ou seja, se não se enquadrar em nenhum dos requisitos previstos nos parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo em questão, será considerado lesão corporal de natureza leve.
A lesão corporal é um crime bicomum, tendo em vista que qualquer pessoa pode figurar nos polos ativo e passivo, como também é um crime material, ou seja, necessita de um resultado naturalístico para a consumação. Além disso, é um crime de dano, podendo ser comissivo ou omissivo, sendo instantâneo e possuindo forma livre para execução.
Autolesão e tentativa
A autolesão não é punida, por conta do princípio da alteridade, a não ser que essa lesão viole outro bem jurídico protegido, como por exemplo a fraude para recebimento de seguro. Ou seja, o agente lesa a própria integridade física ou saúde para obter o valor de tal seguro ou indenização, como tipificado no artigo 171, § 2º, V, CP.
Quanto a tentativa, entende-se que é possível nas lesões dolosas, especialmente se o crime for plurissubsistente, mas, não é possível nos casos de lesão culposa e na lesão seguida de morte (crime preterdoloso).
Importante destacar a diferença entre a tentativa de lesão corporal da contravenção de vias de fato presente no artigo 21 da LCP, na qual a distinção está presente no dolo. Ou seja, na contravenção o dolo é de agredir, sem lesionar, como por exemplo, um empurrão, não atingindo de fato a integridade física da vítima.
Lesão corporal dolosa
São praticadas com animus laedendi ou nocendi, podem ser divididas em:
- leves (artigo 129, caput). Infração de menor potencial ofensivo. Submetida à ação penal pública condicionada à representação.
- Graves (artigo 129, § 1º)
- Gravíssimas (artigo 129, § 2º)
- Seguidas de morte (artigo 129, § 3º). Crime preterdoloso.
No âmbito da violência doméstica e familiar (artigo 129, §§ 9º e 10). Não necessariamente o crime é contra a mulher, a vítima pode ser qualquer pessoa, desde que esteja convivendo naquele vínculo familiar.
Os parágrafos 11 e 12 estabelecem majorantes, no qual, são incidentes na terceira fase da dosimetria, para as hipóteses de lesões corporais praticadas nas condições do § 9º, contra pessoa com deficiência (§ 10) e quando praticadas contra policiais ou integrantes dos órgãos de segurança pública ou seus familiares, independentemente da natureza da lesão (§ 12), desde que no exercício da função ou em decorrência dela.
Lesão corporal de natureza hedionda
Existe previsão legal de crime de lesão corporal de natureza hedionda. Trata-se da lesão corporal gravíssima ou seguida de morte contra integrantes de órgãos de segurança pública.
Os agentes estão dispostos nos artigos 142 e 144 da CF, componentes das Forças Armadas (Exército, Marinha, Aeronáutica), e demais órgãos incumbidos da segurança pública, tais como a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, Polícia Penal, e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.
Afasta-se, portanto, o parentesco por afinidade (sogros, cunhados), incluindo-se, por certo, o filho adotivo, já que a ordem constitucional e civil proíbe qualquer distinção entre os filhos.
Lesão corporal leve
Como já exposto acima, a lesão corporal leve está presente no caput do artigo em estudo, onde será realizado por exclusão, ou seja, quando não se caracterizar em uma forma mais grave.
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
Nessa modalidade é admitido o consentimento do ofendido como causa supralegal (ou extralegal) de exclusão da ilicitude.
Dentro de certos limites, as pessoas podem dispor de sua integridade física em práticas do cotidiano que são socialmente adequadas e permitidas, tais como em esportes que envolvem um contato físico intenso, como é o caso do UFC/ MMA, assim como as tatuagens, brincos, piercings e outros adereços corporais.
O consentimento deve ser expresso (oral ou escrito), de forma livre (sem coação ou ameaça) e respeitar os bons costumes (aquilo que é socialmente aceito), sendo manifestado previamente à prática do ato, além de dever se verificar a capacidade do ofendido em consentir (maior de idade e no uso e gozo das faculdades mentais).
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O consentimento do ofendido não é admitido nos demais tipos de lesão (grave, gravíssima e seguida de morte).
Lesão corporal grave
Essa espécie de lesão corporal está disposta no parágrafo 1°, artigo, CP:
Se resulta:
I – Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II – perigo de vida;
III – debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV – aceleração de parto:
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
A lesão grave se caracteriza como infração de médio potencial ofensivo, autorizando a suspensão condicional do processo, nos moldes do artigo 89 da Lei nº 9.099/95, caso preenchidos os demais requisitos legais.
Incapacidade para as Ocupações Habituais
No inciso I, temos o exemplo de crime a prazo, no qual depende do implemento de uma condição futura para a correta tipificação.
Ou seja, somente se verifica a lesão de natureza grave após o prazo de 30 dias, previsto em lei. Há necessidade de um exame pericial inicial e outro complementar, decorrido o prazo de 30 dias, para fins de provar a materialidade do crime.
Ademais, o termo ocupação habitual, engloba qualquer atividade do cotidiano (caminhar, estudar, praticar esportes), e não necessariamente o trabalho.
Perigo de vida
Na hipótese do inciso II, o perigo de vida deve ser concreto, comprovado por laudo médico pericial, não bastando a mera impressão subjetiva do indivíduo ou do magistrado.
Diminuição da capacidade funcional
Quanto ao inciso III, debilidade é a diminuição da capacidade funcional, duradoura, de recuperação incerta. Ou seja, o membro, sentido ou função continua a existir, porém funcionalmente reduzido. A jurisprudência do STJ já se manifestou quanto à perda de dentes, podendo caracterizar lesão grave, a depender da comprovação pericial acerca da debilidade permanente da função mastigatória.
Portanto, há uma necessidade de se ter um laudo. Se por acaso a lesão se enquadrar apenas em questões estéticas, será considerada leve. Não cogita a lesão corporal gravíssima porque não há uma deformidade permanente.
Na hipótese de órgãos duplos (rins, pulmões, olhos), a perda de um deles caracteriza lesão grave pela debilidade permanente de sentido ou função. A ausência de ambos configura lesão gravíssima pela perda ou inutilização.
Aceleração do parto
Quanto ao inciso IV, aceleração de parto é sinônimo de parto prematuro, precoce, antes do termo normal definido pela medicina. Ou seja, é necessário o conhecimento do agente quanto a gravidez da vítima.
Na hipótese de a criança nascer morta em razão das lesões sofridas pela mãe, o crime será de lesão corporal gravíssima, diante do aborto. Por outro lado, o que ocorre se a criança nascer com vida e falece horas ou dias após, como consequência das lesões na mãe?
A doutrina não é unânime, havendo o entendimento para alguns de lesão corporal gravíssima, pelo aborto (posição majoritária) e aqueles que vislumbram, inclusive, ser hipótese de concurso de crimes, verificando-se a lesão corporal grave pela aceleração do parto, em relação à mãe, e homicídio em relação à criança, conforme já decidido pelo STJ.
Lesão corporal gravíssima
A espécie gravíssima da lesão corporal está presente no parágrafo 2° do artigo 129:
Se resulta:
I – Incapacidade permanente para o trabalho;
II – enfermidade incurável;
III- perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
IV – deformidade permanente;
V – aborto
Pena – reclusão, de dois a oito anos.
O inciso I faz referência a incapacidade permanente, ou seja, não se tem a possibilidade de um fim dessa incapacidade, e está diretamente relacionada com a atividade laborativa. Quanto ao inciso II, a enfermidade incurável é aquela que ainda não é eficazmente combatida pela medicina na época do crime.
O inciso III já dispõe sobre perda ou inutilização do membro, sentido ou função, ou seja, diferentemente da lesão grave no § 1°, aqui não se tem uma simples debilidade e sim uma total incapacidade do membro.
O inciso IV, falamos daquela lesão estética que provoca extremo desconforto.
A qualificadora de deformidade permanente não é afastada por posterior cirurgia plástica reparadora que elimine ou minimize a alteração provocada na vítima. Isso porque o fato criminoso é valorado no momento de sua consumação, não o afetando providências posteriores, notadamente quando não usuais (pelo risco ou pelo custo, como cirurgia plástica ou de tratamentos prolongados, dolorosos ou geradores do risco de vida) e promovidas a critério exclusivo da vítima.
Por fim, no inciso V, tem-se o aborto, isto é, a morte no útero materno do fruto da concepção. Nesse caso o crime é preterdoloso, pois há dolo em relação às lesões corporais na mãe e culpa quanto ao aborto. Se a morte do feto for proposital, haverá concurso formal impróprio de crimes (lesão corporal e aborto).
Lesão corporal seguida de morte
Disposto no parágrafo 3° do artigo 129 do CP:
Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
A hipótese é de crime preterdoloso ou preterintencional, conforme explicitado pelo legislador ao exigir que o agente não tenha desejado o resultado morte, nem assumido o risco de produzi-lo. O delito, dado o seu caráter híbrido (dolo no antecedente e culpa no consequente), além disso, não admite a forma tentada.
Lesão corporal dolosa privilegiada
Previsto no artigo 129, parágrafo 4°:
Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço;
Ou seja, na lesão corporal privilegiado, só cabe aquelas de forma dolosa, sejam elas de natureza leve, grave, gravíssima ou seguidas de morte. No entanto, não se cabe tentativa na lesão corporal culposos assim como a própria natureza do instituto, no qual é impossível conceber um crime simultaneamente culposo e cometido sob domínio de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção.
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Substituição de pena
O artigo 129, § 5º, prevê a lesão leve privilegiada, com a substituição da pena privativa de liberdade por multa, se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima ou, ainda, na hipótese de lesões recíprocas (duas pessoas injustamente se agridem, o que não se confunde com a legítima defesa).
O parágrafo 6° do artigo em estudo, dispõe que:
Se a lesão é culposa:
Pena – detenção, de dois meses a um ano
Ou seja, a lesão corporal culposa é a ofensa à integridade física de outrem por negligência, imprudência ou imperícia (culpa como elemento normativo do tipo penal). Trata-se de infração de menor potencial ofensivo e de ação penal pública condicionada à representação.
A homologação da composição civil dos danos acarreta renúncia ao direito de representação e consequente extinção da punibilidade. A intensidade da lesão culposa é irrelevante para fins de tipificação, já que a conduta é culposa em si, independentemente do resultado produzido.
Aumento de pena (Lesão corporal culposa majorada)
§ 7º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4° e 6° do art. 121 deste Código.
Desse modo, como no homicídio, a lesão corporal culposa será majorada de 1/3 (na terceira fase da dosimetria), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante e, ainda, na hipótese de crime praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.
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Perdão judicial
§ 8º – Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.
Nos termos do § 8º, admite-se o perdão judicial no caso de lesão corporal culposa, nas mesmas circunstâncias em que se admite o instituto no homicídio culposo. O STJ entende que, para aplicar o perdão judicial, é preciso uma das seguintes situações: vítima tenha relação de parentesco com o agente do crime; vítima tenha relação de afeto com o agente do crime; agente do crime tenha sofrido sequelas físicas.
Assim, não é toda e qualquer situação que envolva a prática de uma lesão culposa que vai ensejar o perdão judicial como causa extintiva da punibilidade e aplicação do princípio da bagatela imprópria. Se a lesão corporal for dolosa, não caberá perdão judicial.
Violência doméstica
A lesão corporal no âmbito da violência doméstica está presente no parágrafo 9° do artigo 129:
Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
O § 9º somente se aplica às lesões leves. Se as lesões forem graves, gravíssimas ou seguidas de morte, incidirá a majorante de 1/3 prevista no § 10. Da mesma forma, haverá aumento de pena se o crime for cometido contra pessoa com deficiência (§ 11).
Ou seja, se busca tutelar de modo mais eficaz o convívio pacífico na unidade doméstica. No caso de lesões leves, a ação continua sendo condicionada à representação se o sujeito passivo for homem. Se mulher, por força da Súmula 542 do STJ, a ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica é pública incondicionada.
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