Injúria racial e sua equiparação ao racismo: as mudanças advindas da Lei 14.532 de 11 de janeiro de 2023

injúria racial e racismo

No ano de 2014, Daniel Alves, jogador brasileiro, enquanto jogava como lateral no Barcelona, sofreu o crime de racismo quando torcedores jogaram uma banana em campo, comparando o jogador negro a um macaco. 

Ainda no futebol, Gabriel Barbosa (Gabigol), jogador do Flamengo, sofreu o crime de racismo em um jogo contra o Fluminense, no ano de 2022, por parte dos torcedores adversários que o chamaram de “macaco”.

Saindo do futebol, já neste ano de 2023, uma criança indígena sofreu racismo dentro da escola do Sesc de Aracruz, quando foi vítima de ofensas em relação a sua etnia enquanto indígena, por parte das outras crianças.

Ainda no corrente ano, um Vigia sofreu agressões racistas de uma mulher em um hospital no Rio de Janeiro, que o ofendeu com os dizeres “preto, marginal, favelado, safado”.

Essas e muitas outras condutas preconceituosas ainda persistem no cenário brasileiro, segundo Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), os registros de racismo saltaram de 1.464 casos em 2021, para 2.458, em 2022, uma alta de 67% em relação ao ano anterior. Em relação ao crime de injúria racial, em 2021 foram 10.814 casos e, em 2022, 10.990. 

Nesse sentido, visando dar maior punibilidade aos que cometem o crime de racismo, já em 1989, foi criada a lei nº 7.716 que define os crimes de preconceito de raça ou de cor, sendo tais crimes imprescritíveis e inafiançáveis (Lei do Crime Racial).

No entanto, havia uma diferenciação na conduta de ofender um indivíduo determinado e ofender uma coletividade em razão de sua raça, cor, etnia e origem. Assim, aqueles que ofendiam determinada pessoa ofendendo sua dignidade e decoro em razão de sua raça, cor, etnia ou origem, cometiam o crime de injúria racial, antes previsto no art. 140, §3º do CP, que previa a pena de reclusão de um a três anos, podendo os criminosos serem beneficiados pela fiança e pela prescritibilidade do crime. 

Já aqueles que ofendiam toda uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça, cometiam o crime de racismo previsto na Lei 7.716/1989.

Todavia, a diferença que havia entre esses dois crimes (injúria racial x racismo) deixou de existir quando houve a entrada em vigor da Lei nº lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023, que incluiu como modalidade do crime de racismo a injúria racial, revogando parte do art. 140, §3º e incluindo a injúria na lei do racismo.

Assim sendo, passemos a analisar como eram esses dois crimes antes e depois da Lei nº 14.532/2023:

Antes da Lei n° 14.532/2023

 Injúria RacialRacismo
ConceitoAtinge a honra de determinado indivíduo quando utiliza-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem.Atinge uma quantidade indeterminada de indivíduos discriminando toda a integralidade de uma raça.
Previsão legalArt. 140, 3º, do CP.Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989.
ImprescritívelNãoSim
InafiançávelNãoSim

Depois da Lei n°  14.532/2023

 Injúria RacialRacismo
ConceitoAtinge a honra de determinado indivíduo quando utiliza-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem.Atinge uma quantidade indeterminada de indivíduos discriminando toda a integralidade de uma raça.
Previsão legalArt. 140, 3º, do CP.Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989.
ImprescritívelNãoSim
InafiançávelNãoSim

Mudanças no crime de injúria racial

Como supracitado, o crime de injúria racial agora é uma modalidade do crime de racismo, uma vez que está tipificada na Lei do Crime Racial:

“Art. 2º-A. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas”

Em análise do supracitado artigo, observamos que há maior severidade àqueles que cometem tal delito, senão vejamos:

Aumento da pena

Se antes o crime cometido utilizando-se de ofensas à honra do indivíduo em razão de sua cor, raça, etnia ou procedência nacional tinha a pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa, conforme antiga redação do art. 140, §3º do CP, hodiernamente possui sua pena em reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

Vale ressaltar que, por se tratar de uma lex gravior (lei mais grave), não retroage para atingir condutas praticadas antes de sua vigência, punindo com mais gravidade aqueles que cometerem o delito a partir da entrada em vigor.

resumos esquematizados

Nesse sentido, o aumento foi considerável, havendo uma maior severidade na punição dos infratores.

Imprescritibilidade do crime

O crime de racismo é imprescritível, consoante disposição no art. 5º, XLII da Constituição Federal:

Art. 5º, XLII, CF: a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

Com a equiparação da injúria racial ao crime de racismo, o crime passou a ser imprescritível, o que significa dizer que, a qualquer tempo, independente de quanto tempo passe o fato, os autores podem ser investigados, denunciados e responderem pelo crime.

Desse modo, observa-se mais uma vez que houve uma maior severidade aos autores desse delito.

Inafiançabilidade do crime

O mesmo art. 5º, XLII, da CF, prevê a inafiançabilidade do crime de racismo e, mais uma vez, pelo fato de haver a equiparação do crime de injúria racial ao de racismo pelo advento da Lei nº 14.532/2023, então aquele primeiro, também passou a ser inafiançável.

Isso significa dizer que não é mais possível àqueles que cometem o crime de injúria racial responderem ao processo em liberdade a partir do pagamento de fiança arbitrada pelo Delegado de Polícia – não há vedação à responder em liberdade por meio de outros institutos. Portanto, observa-se, por fim, a intenção do legislador em ver maior punição a essa conduta tão reprovável socialmente.

Conclusão

Diante de todo o exposto nesse artigo, foi possível concluir que, pela reprovabilidade da conduta de injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade e o decoro em razão de sua raça, cor, etnia ou procedência nacional, é que houve a equiparação desse crime, antes previsto no art. 140, §3º do CP, ao de racismo, sendo agora descrito no art. 2º-A da Lei do Crime Racial (lei nº 7.716/1989), conforme inclusão da recente Lei nº Lei nº 14.532/2023.

Consequentemente, com essa inserção da injúria racial como modalidade do crime de racismo, passou o delito a ser imprescritível e inafiançável, permitindo que aqueles que cometem esse crime respondam a qualquer tempo por sua conduta e não mais podem ser beneficiados pela liberdade mediante pagamento de fiança arbitrada pelo Delegado de Polícia.

Outrossim, para dar maior punição ao crime tão reprovado socialmente e tão recorrente na sociedade brasileira, o crime, que antes tinha pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa, teve o aumento de sua sanção para reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

Portanto, mediante todas essas alterações advindas pela equiparação do crime de injúria racial ao de racismo, vê-se que o direito penal brasileiro está em constantes mudanças para maior adaptação e severidade nos crimes que ainda são costumeiros no cotidiano e que devem ser combatidos.

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MACETES DO CONCURSEIRO

Sobre o Autor

Tamires de Andrade
Tamires de Andrade

Acadêmica de Direito (6º Semestre) do Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA). Estagiária do Ministério Público do Estado do Ceará. Ex-Estagiária do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Ex- estagiária do Escritório de Advocacia Amorim Advogados Associados. Membro Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Ciências Criminais e Criminologia Contemporânea - CRIMINIS. Membro do Clube de Leitura Rachel de Queiroz (UNICATÓLICA). Administradora da página Foco Direito Estudos (Instagram). Redatora do Destrinchando o Direito.

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