Quais são os sentidos da Constituição?

Você sabe quais os sentidos da Constituição? Trata-se de um dos temas mais importantes no Direito Constitucional, que vez ou outra está presente em provas de concursos públicos.
Em virtude disso, esquematizei nesse post, os principais sentidos da Constituição. Espero que esse conteúdo seja útil para seus estudos. Boa leitura.
Sentido sociológico (Lassalle)
O sentido sociológico foi apresentado por Ferdinand Lassalle em 1863. Segundo esse entendimento, uma constituição é definida pelos fatores reais de poder que regem a sociedade.
Esses fatores reais são fatores econômicos, militares, religiosos, midiáticos etc.
Lassalle afirma que a Constituição em sua forma escrita não passa de uma mera “folha de papel”, e que sucumbe diante da Constituição real, aquela formada por fatores reais de poder.
O sentido sociológico dá ênfase não à Constituição “folha de papel”, jurídica e normativa, mas sim à chamada Constituição real, a qual possui fatores de poder que regem a sociedade e que a conduzem.
Aqui, a Constituição é conhecida como um fato social, um fruto da realidade social do país, de tal forma que as forças que imperam definem seu conteúdo.
Assim, cabe à Constituição apenas documentar os valores que reinam naquela sociedade. Ferdinand Lassalle diz que “a Constituição seria a soma dos fatores reais de poder que atuam naquele país”.
No entanto, também haveria uma Constituição escrita, denominada de “folha de papel”, como vimos.
A força condicionante da realidade e a normatividade da Constituição são independentes. Nesse sentido, surgem duas constituições: a Constituição real e a Constituição jurídica, que devem se apresentar de forma autônoma.
É a partir daí que Lassalle distingue a Constituição real da Constituição jurídica.
Constituição real X Constituição jurídica
Esta (a jurídica), definitivamente, não corresponde àquilo que se pretende de uma Constituição, pois está pautada na utopia do “dever ser”. Aquela (a real), de fato, para ele, representa o que se pode esperar de uma Lei Fundamental: que ela realmente corresponda à realidade social, tendo ressonância na vida das pessoas, e situando-se no plano do “ser”, jamais no plano do “dever ser”.
Assim, em síntese, pode-se afirmar que, segundo Ferdinand Lassalle, a Constituição representa a soma dos fatores reais de poder de uma determinada sociedade, sob pena de se tornar mera folha de papel sem efetividade social, sendo este o sentido sociológico da Constituição.
Sentido político (Schmitt)
O autor do sentido ou concepção política é Carl Schmitt, que escreveu a sua teoria da Constituição no século XX, no ano de 1928. Entre as várias concepções de Constituição que Carl Schmitt escreve, a mais adequada é a concepção política, que versa sobre as decisões políticas fundamentais do povo (Poder Constituinte).
Para Carl Schmitt, Constituição é decisão e, por isso, esse conceito também é chamado de conceito decisionista. Assim, a Constituição é uma decisão política fundamental, tomada pelo titular do Poder Constituinte. Carl Schmitt dizia que, se a Constituição refletir a decisão do titular, ela será válida, ainda que suas normas sejam injustas. Essa decisão é um ato político.
Em função disso, Carl Schmitt diferencia Constituição e leis constitucionais:
- Constituição: são normas que tratam de organização do Estado, limitação do Poder, direitos e garantias fundamentais etc.;
- Leis constitucionais: são as normas que tratam de assuntos não essencialmente constitucionais.
A obra por meio da qual Schmitt se tornou conhecido por disseminar o sentido político de Constituição foi “Teoria da Constituição”. Para ele, a Constituição deveria ser percebida como o “conjunto de normas, escritas ou não escritas, que sintetizam exclusivamente as decisões políticas fundamentais de um povo”.
Assim, em síntese, deve-se entender que Carl Schmitt prega que uma Constituição deve contemplar a decisão política fundamental de um povo, espelhando normas de conteúdo constitucional, e tudo aquilo que não estiver relacionado com a decisão política fundamental deve ser considerado mera lei constitucional, que tratam de temas não essencialmente constitucionais.
Sentido jurídico (Kelsen)
Esse sentido deriva de autores como Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito – 1961) e de Konrad Hesse (Força Normativa da Constituição – 1959). Tanto Kelsen quanto Hesse entendem que a constituição é uma norma jurídica prescritiva de dever que vincula o Estado e a sociedade.
A ênfase aqui é jurídica. Konrad Hesse fala em um sentimento, uma vontade de Constituição que devemos ter, ainda que eventualmente ela seja descumprida.
O que interessa é o documento constitucional e a forma como este vai prescrever uma série de possibilidades para o Estado e a sociedade, organizando o Estado e estabelecendo direitos fundamentais de forma vinculante. Hans Kelsen ainda dizia que Constituição é norma pura.
A Constituição é a norma fundamental do Estado, pois dá validade a todo o ordenamento jurídico. Kelsen, pela obra “Teoria Pura do Direito”, dizia que a Constituição é puro dever-ser.
Por isso, a Constituição não deveria levar em consideração o caráter político, sociológico, filosófico etc., sendo que isso não teria relação com o Direito.
A partir da desvinculação da ciência jurídica de valores morais, sociológicos e políticos, Kelsen desenvolve dois sentidos para a Constituição:
- Sentido lógico-jurídico: Constituição é a norma fundamental hipotética. Ela serve como fundamento transcendental de validade da Constituição jurídico-positivo. Só há uma norma trazida pela norma fundamental: “obedeçam à Constituição”;
- Sentido jurídico-positivo: são as normas previstas no texto constitucional e que devem ser obedecidas por conta da Constituição lógico-jurídica.
Consoante Hans Kelsen, a concepção jurídica de Constituição é concebida como a norma por meio da qual se regula a produção das normas jurídicas gerais, podendo ser produzida, inclusive, pelo direito consuetudinário.
Como se sabe, a Constituição pode ser produzida por via consuetudinária ou por meio de um ato de um ou vários indivíduos a tal fim dirigido, isto é, através de um ato legislativo. Como neste segundo caso ela é sempre condensada num documento, fala-se de uma Constituição “escrita”, para a distinguir de uma Constituição não escrita, criada por via consuetudinária.
A Constituição material pode consistir, em parte, de normas escritas, noutra parte, de normas não escritas, de Direito criado consuetudinariamente (costumes). As normas não escritas da Constituição, criadas consuetudinariamente, podem ser codificadas por um órgão legislativo e, portanto, ter caráter vinculante, transformando-a em Constituição escrita.
A Constituição pode – como Constituição escrita – aparecer na específica forma constitucional, isto é, em normas que não podem ser revogadas ou alteradas como as leis normais, mas somente sob condições mais rigorosas.
Não é preciso, no entanto, que seja necessariamente assim, e não o é quando nem sequer existe Constituição escrita, ou seja, quando a Constituição surgiu por via consuetudinária – isto é, via conduta costumeira dos indivíduos submetidos à ordem jurídica estadual, sem ter sido.
Nesse caso, também as normas que têm o caráter de Constituição material podem ser revogadas ou alteradas por leis simples ou pelo Direito consuetudinário.
Sentido cultural
A concepção culturalista de Constituição foi identificada por Michele Ainis, em 1986, como aquela representativa de um fato cultural, que disciplina as relações e os direitos fundamentais relativos à cultura.
Assim, a Constituição é o produto da cultura, e as três concepções apresentadas anteriormente – sociológica, política e jurídica – devem ser trabalhadas de forma complementar, uma vez que a Constituição possui fundamentos distintos condensados em fatores reais de poder, em decisões políticas fundamentais de um povo e as normas jurídicas devem ser vinculantes.
Conforme afirmado por Meirelles Teixeira, há uma dinâmica cultural complexa, cujos elementos encontram-se todos em relação de causalidade recíproca, em interação, em condicionamento recíproco. Cada parte da Cultura é, ao mesmo tempo, condicionada pelas demais e condicionantes destas.
Assim, a Constituição, para o autor, é considerada como um conjunto de normas fundamentais, condicionadas pela Cultura total, e ao mesmo tempo condicionante deste, emanadas da vontade existencial da unidade política, e reguladoras da existência, estrutura e fins do Estado e do modo de exercício e limites do poder político.
Dirley da Cunha Jr. afirma que esta concepção – sentido cultural de Constituição – é a que melhor desponta na teoria da Constituição, uma vez que tem a virtude de explorar o texto constitucional em todas as suas potencialidades e aspectos relevantes, reunindo todas as concepções em si, possibilitando-se a compreensão do fenômeno constitucional.
Força normativa da Constituição
Konrad Hesse crítica e rebate a concepção tratada por Ferdinand Lassalle.
A Constituição possui uma força normativa capaz de modificar a realidade, obrigando as pessoas. Por isso, nem sempre cederia frente aos fatores reais de poder, pois ela obriga.
Tanto pode a Constituição escrita sucumbir quanto prevalecer, modificando a sociedade. O STF tem utilizado bastante esse princípio em suas decisões.
Constituição dúctil
Esse é o entendimento do jurista italiano Gustavo Zagrebelsky, para quem as constituições atuais podem ser consideradas tanto pluralistas quanto dúcteis.
Pluralistas, porque não representam uma única ideologia, já que são obras de consenso formado a partir de recíprocas concessões acertadas entre forças políticas distintas. Dúcteis, porque veiculam conteúdos tendencialmente contraditórios entre si, sem que se lhes possa traçar uma hierarquia rigorosa. Pelo contrário, eles devem ser assim preservados, de modo a conceder ampla margem à configuração legislativa, além de abertos a possíveis ponderações judiciais. Assim, estabelecem-se mútuas relações entre legislador e juiz, política e justiça. Numa Constituição dúctil e repleta de princípios, dificilmente haverá matérias subtraídas, seja da justiça, seja da política.
Gostou do conteúdo? Leia também sobre Poder Constituinte: conceito, características e formas
AULAS GRATUITAS!
Conheça o Canal do YouTube do Destrinchando e tenha acesso a um acervo de aulas jurídicas.
Sobre o Autor
1 Comentário
[…] Gostou do conteúdo? Leia também: Quais são os sentidos da Constituição? […]